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Inteligência Artificial e decisões salomônicas

A propositura acima, todos sabemos, existiu ao menos na tradição judaico-cristã, conforme o livro de Reis, presente nos escritos sagrados dos hebreus e cristãos

Alvaro Mota

Quinta - 16/05/2024 às 15:27



Foto: Divulgação Inteligência Artificial
Inteligência Artificial

O site Migalhas informou na terça-feira que o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, previu que em breve será possível o uso da inteligência artificial para a produção de sentenças. Nas palavras do ministro do Supremo Tribunal Federal, essa ferramenta tecnológica "pode tomar melhor decisão em muitas matérias, porque é capaz de processar mais informações com maior velocidade".

O ministro, porém, fez uma adequada e necessária observação: o uso da inteligência artificial carece da supervisão humana, posto que o uso da tecnologia da informação dá-se como ferramenta, ou seja, uma ação-meio, não a ação-fim, a qual consiste, em decisões de natureza jurídica, de um ato humano.

A natureza de uma decisão produzida com inteligência artificial pode resultar na reprodução de preconceitos sociais que pululam em todos os bancos de dados aos quais a ferramenta pode recorrer. Juízo de valor, assim, não é algo que se possa esperar de uma ferramenta. Essa é uma ação humana por excelência.

Ante disso, imagine-se uma ferramenta de inteligência artificial programada para se produzir uma sentença em que duas mães disputam um bebê e, havendo por parte delas, no âmbito da ação, proposta de dividir a criança em duas partes, faça a AI opção por tal proposição, apenas considerando uma espécie da razoabilidade matemática a explicar uma equidade impossível de se ter neste caso...

A propositura acima, todos sabemos, existiu ao menos na tradição judaico-cristã, conforme o livro de Reis, presente nos escritos sagrados dos hebreus e cristãos. Ensina essa sabedoria que, instado a decidir com quem ficaria uma criança disputada por duas mulheres, o rei Salomão propôs cortá-la ao meio, o que levou uma das mulheres a renunciar à sua reivindicação. Isso fez com que Salomão soubesse que era essa a mãe da criança. Bom senso e sabedoria ficaram mais que evidentes.

Se nos debruçarmos sobre outras sabedorias, haveremos de encontrar muitos outros exemplos de quão pode a mente humana encontra mecanismos para a produção de atos de justiça, daí porque não se pode agir na contramão do avanço tecnológico que facilita a produção de sentenças, porém, sempre se deve focar nas condições de análise do julgador a partir de elementos subjetivos não presentes num contexto de dados, estatísticas, informações.

A possibilidade de uma ferramenta de inteligência artificial produzir as sentenças, assim, deve ser percebida como mecanismo redutor de equívocos do julgador, porque ele poderá se respaldar na otimização de informações cruzadas, em decisões semelhantes ou de similaridade de casos. Com isso, pode objetivamente ser orientado a trilhar um caminho que pode ser o mais adequado – só que existem os detalhes, aqueles que segundo um ditado francês esconde o Diabo.

Mesmo diante de uma miríade de dados que objetivamente ajudam o julgador a tomar uma decisão mais adequada para determinado caso, sempre devem ser consideradas as variáveis presentes em determinadas ações.  A objetividade produzida pela capacidade da AI de cruzar milhões de dados, assim, é meio e não fim na ação do julgador

Se a Inteligência Artificial, por meio de sua objetividade estatística, é capaz de tornar irrealidade o senso comum segundo o qual para cada cabeça a uma sentença, devemos ter em mente que o julgador sempre poderá levar em conta as variáveis e subjetividades presentes em determinadas causas, em face de fatores os mais diversos.

No cenário jurídico futuro que se desenha, portanto, não se pode fugir do uso das tecnologias da informação, sobretudo a Inteligência Artificial, como ferramentas facilitadoras dos trabalhos de advogados, juízes e promotores de Justiça. Contudo, todos esses atores são pessoas humanas que, além de legitimar o trabalho, podem refiná-lo fazendo prevalecer pela subjetividade decisões mais sábias e, portanto, sensatas, adequadas e justas.

Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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