Hoje completam-se 35 anos da promulgação da constituição federal de 1988, “cidadã” nas palavras de Ulysses Guimarães, que presidiu a constituinte, responsável por um texto que o velho líder da luta pró-democracia classificou como “representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto”.
A expressão “contemporaneidade do texto” dita por Ulysses Guimarães evidencia o momento de sua promulgação, mas também o olhar adiante que os constituintes tiveram, se não para produzir um texto perfeito, como a própria Carta pontua ao admitir as emendas – que foram muitas ao longo de 35 anos, a maior parte com o fito de assegurar que tal correção de rumo dialogasse com os avanços civilizatórios ou demandas do tempo presente.
A Constituição é frequentemente alvo de críticas, algumas sem sentido, outras cheias de razão de serem feitas, mas convém lembrar que a imperfeição que leva à criticidade não pode ser alterada se não pelo desejo da maioria das duas casas do Congresso Nacional, por meio do quórum qualificado. Esse mecanismo impede que avancem mudanças sem um debate necessário para que as alterações não terminem por ser passos atrás e não aperfeiçoamento do texto.
Nesse ponto cabe lembrar que, a despeito do debate acerca de um “protagonismo legislativo” do Supremo Tribunal Federal ao decidir em face de matéria constitucional, tem sido o Legislativo muito mais favorecido pelo texto da Constituição de 1988. Além do fato de que as casas legislativas ganharam mais prerrogativas, recuperando seu caráter de autonomia e fiscalização do Executivo e mesmo do Judiciário.
Não é pouco o que se pode depreender de avanço do Legislativo, que adquiriu, além da capacidade fiscalizadora, prerrogativas sobre os orçamentos públicos – muito embora se tenha que observar que inação quanto aos avanços do Executivo sobre a propositura de leis possa ter custado, sobretudo ao Congresso Nacional, aquilo o que o ministro Luís Roberto Barroso chamou de “visível decréscimo” do Congresso Nacional no próprio processo legislativo, como pontuado no texto “A Constituição Brasileira de 1988: uma Introdução”, de 2010 em publicação da Editora Saraiva.
Porém, ainda que surjam pontuais desequilíbrios como o apontado pelo ministro Barroso, agora presidente do STF, há que se considerar que o texto de 1988 dispõe da capacidade de manter sua contemporaneidade – sobretudo considerando o fato de que a tecitura da Carta mirou o futuro, sobretudo no que concerne a avanços civilizatórios, na recepção a temas polêmicos que surgem de demandas atualizadas.
Seguir em obediência à Carta e mudá-la quando necessário, para aperfeiçoamento, é parte de um processo dinâmico da própria sociedade, das mudanças impostas pelo tempo e da imprescindibilidade de alterações que façam a Constituição manter um frescor que a torna mais efetiva e presente na vida das pessoas.
Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado. Procurador do Estado. Ex-Presidente da OAB-PI. Mestre em Direito pela UFPE. Doutorando em Direito pela PUC-SP. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses. Presidente do CESA-PI.