Durante a campanha eleitoral, ouvi muito estas frases: "a situação hoje é diferente"; "as coisas estão muito diferentes".
Depois das eleições, tenho ouvido e lido as mesmas frases ou outras semelhantes: "estamos vivendo uma nova fase", como ouvi numa excelente exposição do Márcio Porchman; ou "os tempos são outros", como li num artigo do Frei Berto que a Regina Sousa me mandou hoje. E destaco também algumas falas que o José Dirceu tem feito. É claro que várias falas de pessoas que não são "personalidades públicas" nem petistas têm levantado pontos muito interessantes.
As primeiras frases, ouvidas de candidatos ou apoiadores de todos os partidos na campanha eleitoral, têm como motivo a "inflação" no financiamento das campanhas eleitorais. Ou, no caso de petistas, o rumo da evolução do PT desde sua fundação, em 1980. É claro que, 45 anos depois, a situação ou as coisas estejam diferentes. É óbvio - óbvio ululante, diria Nelson Rodrigues.
As frases, no período pós-eleitoral, ditas ou escritas por jornalistas e analistas acadêmicos e mesmo por agentes políticos, têm a ver com a interpretação dos resultados nos diferentes municípios, na tentativa de identificar uma tendência nacional. E aqui a coisa não é tão óbvia; é instigante para todos, e preocupante para alguns.
Critiquei e continuo criticando as opiniões ouvidas na fase da campanha. Seu uso é para justificar a acomodação à situação tal como vem se configurando, nos últimos tempos, na disputa eleitoral. E mais! Se alimenta de e reforça uma ilusão: achar que a situação chamada de "diferente" é "nova". Será que o clientelismo – "voto de favor" ou "voto comprado", apoiadores quase todos beneficiados ou remunerados – é novo? Tem pelo menos 50 anos no Brasil; mais velho do que o PT. E diriam os psicanalistas: é uma baita racionalização.
Mas esse artigo não é diretamente de combate à persistência da política tradicional. É de diálogo com o debate pós-eleitoral.
O debate pós-eleitoral está sendo rico; espero que seja fecundo. Para ser fecundo mesmo, esse debate precisa acontecer numa "esfera pública democrática": participa quem está "com a mão na massa" e participa quem pode assumir certa distância das urgências da ação imediata; participa quem está sendo governo e quem está sendo oposição; participam classes sociais e movimentos sociais e culturais com interesses e valores diferentes, mas passíveis de diálogo. O "debate fecundo" não se esgota no discurso, mas cria alguns consensos, produz "agendas" e, quem sabe, fala a mentes e corações.
Infelizmente, para alguns, o debate tem como horizonte e limite as eleições de 2026. Sem descuidar de 2026 – a até para torná-la um momento de mais virada à esquerda – é preciso olhar mais longe e pensar grande.
Gostei da escolha do tema do Seminário Nacional do PT: a Realidade Brasileira. Esse é foco da nova estratégia: a nova realidade brasileira. É esse foco que deve estruturar o discurso sobre o governo Lula, o projeto do PT, a disputa esquerda x direita, as opções dos cidadãos-eleitores, a tensão entre valores e interesses, a utopia socialista como horizonte histórico de superação do capitalismo. Porchman situou muito bem a questão em sua palestra no seminário do PT; e Dirceu tem utilizado seu grande conhecimento da realidade brasileira para apontar desafios concretos, envolvendo aspectos estruturantes e por isso classes sociais diversas.
Frei Beto, nesse último artigo, reconhece que o governo tem avançado, até um pouco além da reconstrução do que Bolsonaro desmontou ou destruiu. Critica a falta de uma estratégia comunicação. É um problema real – e novo. Mas a "guerra digital" de que Frei Beto fala está associada à "batalha ideológica" que ele aponta como necessária, pois "a esquerda perdeu as referências ideológicas": bloco socialista e hegemonia cultural do marxismo - "tudo isso acabou", diz ele. Temos que reconstruir e ressignificar nossas referências, processo que já tinha começado desde os anos 1968 e que o PT incorpora em seu manifesto. Precisamos de uma avaliação clara das experiências do "socialismo comunista" ou "real" ou "autoritário". Não existe "socialismo científico". como Engels pensou e alguns camaradas insistem em pensar. Se o socialismo não tiver fundamentação histórico-crítica, não será sequer um novo socialismo utópico, mas um "socialismo retórico".
Já pensaram no que pode dizer e fazer a grande militância petista formada nessa perspectiva do foco na realidade brasileira?
Todos nós nos preocupamos com a ofensiva digital da extrema-direita (e atenção: também do mercado pró-consumo), e com fake-news. Tem condições de combinar comunicação digital com pedagogia de Paulo Freire? É possível retomar "trabalho de base" com "inteligência artificial? Não tenho competência técnica para responder.
Li recentemente o livro "Esperançar com Freire: reflexões sobre comunicação e mudança social", editado pelo Instituto Ubíqua (de Teresina) e a Loughborough University (de Londres), um presente do companheiro Jessé Barbosa. São palestras de um seminário de comemoração dos 100 anos de Paulo Freire, com participação de estudiosos de 15 países, inclusive Frei Beto e Ailton Krenak. As falas têm como referência o que eles chamam "princípios ontológicos" da pedagogia de Paulo Freire: diálogo, empatia, humildade, esperança e amor. E relatam várias experiências inclusive digitais.
Sempre achei que o "meio" não é a mensagem (que me desculpe o velho McLuhan). O uso dos meios clássicos ou novos de comunicação e formação precisam ter referências ideológicas (a mensagem).
Continuo tendo convicção de duas coisas: primeiro, precisamos ter uma educação formal-escolar que prepara os estudantes para saber "navegar" no mar de informações, selecionando, avaliando e reconstruindo seus saberes. Segundo, temos que ter diálogo presencial não só em nossa casa e nos bares com os de "nossa classe média"; mas com as pessoas das classes populares em visitas e rodas de conversa.
A narrativa precisa de um núcleo estruturador. Pode ser "uma vida melhor para todos os brasileiros e manter-se no compasso da civilização": respeito às pessoas, mais igualdade social, mais exercício da cidadania, mais prosperidade econômica, mais tolerância. E também mudança no jeito de votar, pois eleições "sempre as teremos e as devemos ter".
Dialogando mais com o Frei Beto, nesse artigo, olhei mais para o "como" (método). Vou continuar no diálogo, olhando mais para "o que", ou seja, as mudanças histórico-estruturais que tornam a realidade brasileira diferente, num mundo diferente.