Desenvolvimento

A seca e a convivência com o semiárido

A seca é um fenômeno natural periódico no semiárido brasileiro

Quinta - 20/02/2020 às 12:19



Foto: Reprodução A seca é um fenômeno natural periódico no semiárido brasileiro
A seca é um fenômeno natural periódico no semiárido brasileiro

Artigo publicado no site do fórum nacional de secretários estaduais de assistência social em junho de 2012 e atualizado em 2016.

A seca é um fenômeno natural periódico no semiárido brasileiro. A previsão de secas prolongadas e rigorosas no semiárido tem sido objeto de estudos ao longo de décadas. A SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), desde sua criação, fez pesquisas sobre este fenômeno e elaborou um gráfico, em 1981, sobre a ocorrência das secas do nordeste desde 1710, mostrando que as secas prolongadas de mais de quatro anos em toda a região ocorrem a cada 26 anos aproximadamente.

Com base nesses dados da SUDENE, as ONGs elaboraram outro gráfico, uma sinóide, mais entendível por agricultores e dirigentes sindicais e populares. Este gráfico coloca num eixo os dados pluviométricos médios anuais do semiárido, a cada 250 mm, indo até 1.000 mm; e num outro eixo, os anos dos dois últimos séculos, de 1850 até 1980, com projeção até 2010. Nós usamos muito estes gráficos em nossas palestras e apresentações. E as pessoas mais velhas sempre confirmaram estes dados, informando que realmente as maiores secas e as mais rigorosas do século passado foram as de 1932 (período de 1927 a 1933), de 1958 (período de 1954 a 1959) e a de 1984 (período de 1979 a 1985). Seguindo esta projeção, a primeira seca deste século seria a de 2010 (período de 2007 a 2011), o que foi mais rigorosa e se prolongou até 2016.

 Intercalando as grandes secas, também a cada 13 anos ocorre uma seca menos rigorosa de dois anos (as últimas tiveram seu ápice nos anos de 1971 e 1997, e a previsão da próxima é para 2023, aproximadamente). Além disso, ocorrem as irregularidades pluviométricas no tempo e no espaço a cada ano no semiárido. O que é normal no semiárido é a irregularidade das chuvas. Assim, as secas são previsíveis.

Atualmente, as previsões de secas são baseadas no monitoramento da temperatura do oceano pacífico e em simulações computacionais. As secas se configuram, aproximadamente, seis meses após o início do fenômeno “El niño”, aquecimento anômalo do oceano pacífico.

Passamos alguns anos analisando esse fenômeno e pesquisando alternativas tecnológicas para a convivência no ambiente de semiaridez no mundo. Em 1999, a convite do então deputado federal Wellington Dias, pude assessorá-lo na elaboração de um Projeto de Lei instituindo um programa permanente de convivência com o semiárido brasileiro, apresentado à Câmara Federal em junho de 1999. Em novembro deste ano, participamos da fundação da ASA Brasil (Articulação do Semiárido Brasileiro), juntamente com 67 entidades da sociedade civil organizada, na cidade do Recife, durante a conferência das Nações Unidas para as regiões áridas e semiáridas do mundo. Orgulhamo-nos de ter representado o Piauí nessa ocasião.

Existem as alternativas de convivência neste ambiente de semiaridez de forma permanente. Esta é a saída apontada pelos estudiosos desde séculos passados. Governos (municipais, estaduais e federal) e sociedade precisam aprender a conviver com a seca. Não se combate à seca, convive-se com ela. Isso é um processo paciente de conscientização, mas tem que ser permanentemente.

Não se excluem as ações emergenciais, contudo é necessário nos prepararmos para a convivência permanente no ambiente de semiaridez com as soluções estruturantes, concretas, de curto, médio e longo prazo. Não se pode fugir das grandes obras como a interligação de bacias, grandes barragens, adutoras para abastecimento das cidades e assentamentos, assim como as médias e pequenas obras e ações que beneficiam mais gente, inclusive no curto prazo, tendo sempre como parâmetro a educação, a capacitação e a assistência técnica. Muitas das tecnologias sociais implantadas desde 2003 contribuíram para reduzir a pobreza rural no estado em 50%, conforme dados do IBGE.

Mas é óbvio que para todas essas ações se tornarem projetos permanentes, precedem de mais estruturação das secretarias municipais de agricultura, a reestruturação das EMATERs, para garantir o suporte técnico, além de ampliar o incentivo destinado ao terceiro setor; e isso só se sustenta com fontes de financiamento federal que modifiquem a atual realidade econômica dos municípios e de muitos governos estaduais. Os royalties do Pré-sal seria uma grande contribuição para reduzir as desigualdades regionais e sociais tão decantadas.

Faz-se necessária a união de todos e de todas na solução do drama social causado pelas sucessivas secas que estão aí e virão sempre. É preciso agir urgentemente com as Frentes Parlamentares, união de bancadas federais e estaduais e projetos e ações mais permanentes que unifique programas de governos da União, dos estados e dos municípios. Dividir a construção e a responsabilidade coletiva com organizações da sociedade civil organizada, mobilizar todos nós, cidadãs e cidadãos, num trabalho permanente de vigília, auxílio e cobrança. Não nos esqueçamos de que direta ou indiretamente somos todos vítimas e precisamos trabalhar todas as formas para conviver dignamente com a realidade do semiárido e, proporcionar o viver com qualidade de vida nessa região é nossa responsabilidade.

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Francisco Guedes

Francisco Guedes

Francisco Guedes é Engenheiro Agrônomo (UFPI), Mestre em Botânica (UFRPE) e especialista em desenvolvimento regional sustentável, em tecnologias para a agropecuária do semiárido e em direito administrativo. Membro da academia de Ciências do Piauí. Pesquisador da Embrapa. Atualmente Diretor-Geral do Emater-PI.

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