
Uma tendência curiosa vem chamando a atenção nas redes sociais. Trata-se de jovens e adultos usando chupetas de bebê como forma de supostamente reduzir ansiedade, insegurança ou estresse. Embora pareça apenas uma brincadeira ou um acessório excêntrico, especialistas da Rede Ebserh alertam que o hábito pode trazer consequências importantes para a fala, a saúde bucal e o desenvolvimento emocional.
Para o psicólogo Thiago Ayala, especialista em Saúde e Terapia Cognitivo-Comportamental no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (UFMS), recorrer à chupeta na vida adulta não é funcional. Ele explica que o objeto foi criado para atender a necessidades específicas da infância, fase em que o bebê ainda não dispõe de recursos próprios para lidar com frustrações.
“Existem inúmeras estratégias eficazes para regular ansiedade e tensão — como exercícios de respiração, técnicas de mindfulness e a psicoterapia — que, diferentemente da chupeta, contribuem para o desenvolvimento emocional”, afirma.
Segundo ele, o hábito é um “comportamento de escape”, que pode gerar alívio temporário, mas impede o amadurecimento de habilidades de enfrentamento. Em alguns casos, pode indicar dificuldade de lidar com responsabilidades ou de suportar frustrações.
“Recorrer a uma chupeta pode indicar evitação de responsabilidades, mesmo que não seja consciente”, alerta o profissional.
O principal sinal de preocupação, segundo o psicólogo, é quando o hábito deixa de ser pontual e passa a interferir na vida social, acadêmica ou profissional, evidenciando dificuldades para lidar com pressões e frustrações de forma saudável.
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Impactos na fala e musculatura
A fonoaudióloga Martha Lira, do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI), classifica o uso de chupeta por adultos como “hábito oral deletério” — qualquer costume repetitivo na região da boca que comprometa o equilíbrio muscular.
Segundo ela, a depender da frequência, intensidade e duração, o uso da chupeta pode levar à diminuição da força muscular e à adaptação da arcada dentária.
“Os dentes superiores tendem a se projetar para frente, o que chamamos de overjet, e os inferiores a recuar, comprometendo o alinhamento e a harmonia do sistema motor facial”.
Essas mudanças influenciam diretamente a fala. Fonemas que dependem de lábios, bochechas e língua podem sofrer distorções, e a projeção vocal também fica prejudicada. Isso acontece porque a musculatura fraca não consegue oferecer resistência adequada à passagem do ar pela cavidade oral.
“A médio prazo, há uma desarmonia no sistema motor facial e alterações perceptíveis na clareza da fala”, pontua Martha.
Ela destaca ainda que hábitos orais deletérios não se restringem à sucção. “Em adultos e jovens é muito mais comum a mordedura — roer unhas, morder lápis ou canetas — do que o uso de chupeta. Mas todos têm algo em comum: funcionam como um recurso de autorregulação emocional”, explica.
O neurotransmissor GABA atua como um freio, contrabalançando estados de excitação e ajudando a acalmar. “É uma forma de suprimir sintomas de ansiedade ou agitação, mas que não resolve a causa do problema”, completa.
Riscos para a saúde bucal e articular
O cirurgião bucomaxilofacial Gilberto Sousa, coordenador do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital das Clínicas da UFPE, destaca que a prática pode provocar mordida aberta, mordida cruzada e protrusão dos incisivos, prejudicando funções como mastigação, respiração e fala.
“Embora a musculatura e os ossos já estejam formados, o impacto funcional e articular ainda pode ser relevante, especialmente se o hábito for diário e prolongado”, observa.
Outro ponto de atenção é a articulação temporomandibular (ATM), responsável por movimentar a mandíbula. O hábito pode modificar o posicionamento, favorecendo o surgimento de ruídos, inflamações e dor.
“O uso frequente da chupeta pode ser um fator predisponente para distúrbios temporomandibulares, principalmente em pacientes predispostos ou que já têm histórico de bruxismo”, explica. Ele ressalta que, nesses casos, o risco é ainda maior, pois o esforço adicional pode agravar a sobrecarga na musculatura e articulação.
Apesar do tom leve que o tema possa sugerir, os três especialistas concordam: hábitos curiosos e modas passageiras devem ser analisados com cautela. O que começa como adereço para aliviar o estresse pode, a longo prazo, trazer consequências bem menos inofensivas do que parece.
Fonte: Ebserh