Uma matéria publicada pelo site Uol evidenciou uma realidade da saúde na pequena cidade de Acauã, no semiárido do Piauí. Com apenas 6.500 habitantes, o município se tornou um ponto de atenção para a saúde pública devido a uma alta e incomum incidência de Ataxia de Friedreich. Esta é uma doença genética rara e progressiva que compromete a coordenação motora, o sistema nervoso e o coração.
A Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias e Adquiridas (Abahe) registrou 38 casos da doença no município piauiense, um número extremamente alto se comparado aos 800 casos totais cadastrados no Brasil. A alta concentração é atribuída, principalmente, à prática de casamentos com pessoas da mesma família na região.
A Ataxia de Friedreich é uma doença de herança autossômica recessiva. O professor titular de Neurologia da Unicamp, Marcondes França, explica que, para desenvolver a condição, a pessoa precisa herdar uma cópia do gene defeituoso tanto da mãe quanto do pai.
“O padrão dela é de herança autossômica recessiva. Para que a pessoa desenvolva a doença, é preciso receber a cópia do gene defeituoso de mãe e pai. Então, ela tem uma incidência maior onde há casamentos consanguíneos,” afirma o especialista.
A diretora da Abahe, Amália Maranhão, que descobriu a alta incidência há dois anos, confirma a hipótese, dizendo que a doença, trazida originalmente pelos portugueses, se disseminou na cidade devido aos casamentos entre parentes.
O próprio prefeito do município, Reginaldo Raimundo Rodrigues (PSD), é um dos pacientes acometidos e relatou seu dia a dia com a doença, que afeta sua coordenação motora. Um mutirão do movimento "Raros Piauí em Movimento" realizou recentemente exames genéticos em 20 adultos com suspeita, e todos testaram positivo. Antes disso, já havia seis casos confirmados.
Sintomas, progressão e sobrevida
A neurologista Bárbara Márcia Rocha Sousa explica que a doença se manifesta inicialmente com dificuldades na coordenação motora, evoluindo para falta de equilíbrio, alteração na fala, problemas cardíacos e deformidades na coluna.
A paciente Maria dos Humildes de Macedo, 47 anos, moradora de Acauã e prima do prefeito, relata que os primeiros sintomas surgiram aos 35 anos com dificuldade na fala. Hoje, aos 40, já sente as pernas fracas e não consegue mais subir degraus ou caminhar longas distâncias, precisando de auxílio do INSS. Ela é filha de primos de terceiros graus. A doença é progressiva e desafiadora, surgindo geralmente em crianças e adolescentes.
O professor Marcondes França aponta que o quadro neurológico se agrava, levando o paciente à cadeira de rodas em cerca de 11 a 12 anos após os primeiros sintomas. A doença também atinge outros órgãos, podendo causar cardiopatia e desenvolver diabetes, encurtando a sobrevida média para cerca de 40 anos.
Alto custo do tratamento e impasse com o SUS
A maior esperança para os pacientes reside no medicamento Skyclarys (omaveloxolona), o primeiro a ter registro concedido pela Anvisa no Brasil (em abril), com a capacidade de retardar a progressão da doença. No entanto, o medicamento tem um preço altíssimo: R$ 199.968,10 por frasco (para 90 cápsulas, sendo a dose diária de 3 cápsulas), sem incluir o ICMS de cada estado.
A dificuldade é que a farmacêutica Biogen Brasil não submeteu o pedido de incorporação do medicamento ao SUS (Sistema Único de Saúde). Segundo a Abahe, o laboratório argumenta que o governo tem rejeitado pedidos de medicamentos para doenças raras.
Sem o oferecimento pelo SUS, a maioria dos pacientes de baixa renda fica sem acesso. Pacientes estão recorrendo à Justiça: a advogada Priscilla Mourão confirma que já há um paciente de Pernambuco recebendo a droga por via judicial e outras ações em curso com decisões favoráveis, mas aguardando efetivação.
A Abahe continua sua luta para aumentar a visibilidade dos casos, estimulando o cadastro de pacientes, visando pressionar pela incorporação do medicamento ao sistema público de saúde. O Ministério da Saúde, por sua vez, afirma que oferece acompanhamento especializado aos pacientes com Ataxia de Friedreich em 37 serviços de referência em doenças raras.
Fonte: Uol