
Ampla reportagem publicada pelos jornalistas Leandro Demori, Cesar Calejon e Flávio VM Costa no Site do Instituto Conhecimento Liberta - ICL, na tarde deste domingo (31/08), diz que presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) recebeu uma sacola de papelão contendo dinheiro vivo enviado a ele por Mohamad Hussein Mourad, o “Primo”, e Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Louco”. Ciro negou com veemência qualquer ligação com criminosos. Ele já enviou ofício ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, pedindo apuração do que chamou de "informações falsas e absolutamente mentirosas.”
"Primo" e "Beto Louco" estão foragidos. Os dois são, segundo investigação da Polícia Federal, os chefes do esquema criminoso do PCC (Primeiro Comando da Capital) que envolve a gestão de fundos de investimentos na Faria Lima e fraudes bilionárias no setor de combustíveis.
A seguir a íntegra da reportagem e a resposta de Ciro Nogueira
"Acusados pela PF de chefiar esquema do PCC enviaram propina em dinheiro a Ciro Nogueira, diz testemunha
Em entrevista exclusiva, testemunha afirma que propina foi enviada ao senador, em Brasília
Por Leandro Demori, Cesar Calejon e Flávio VM Costa
Presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) recebeu uma sacola de papelão contendo dinheiro vivo enviado a ele por Mohamad Hussein Mourad, o “Primo”, e Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Louco”. Os dois são, segundo investigação da Polícia Federal, os chefes do esquema criminoso do PCC (Primeiro Comando da Capital) que envolve a gestão de fundos de investimentos na Faria Lima e fraudes bilionárias no setor de combustíveis.
É o que conta, em entrevista exclusiva ao ICL Notícias, uma fonte anônima que teve contato direto com os dois chefes do esquema. A revelação feita ao ICL Notícias foi oficializada em depoimento à Polícia Federal (PF). A pessoa afirma ter ouvido do próprio Beto Louco que uma sacola com dinheiro vivo seria entregue a Ciro Nogueira. Ainda de acordo com a fonte, o encontro ocorreu no ano passado, no gabinete do Senado.
“Sim, ele falou que [a sacola com dinheiro] era para o Ciro Nogueira. Eles estavam indo encontrar o Ciro, em posse dessa sacola”, afirmou a testemunha em conversa gravada com os jornalistas Leandro Demori e Cesar Calejon.
“Era uma sacola de papelão. Era uma sacola grampeada. De uma largura compatível com o tamanho de uma cédula.”
O encontro entre o senador e os chefes do esquema do PCC, quando a sacola de dinheiro vivo foi enviada, ocorreu no mês de agosto de 2024, de acordo com a fonte.
A identidade da testemunha será preservada. Aos agentes da Polícia Federal, a fonte confirmou as mesmas informações reveladas na entrevista gravada ao ICL Notícias.
A propina estaria relacionada à defesa dos interesses dos suspeitos junto à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e a projetos de lei que tramitam no Senado. Na ANP, eles tentavam reverter a revogação das licenças da Copape e Aster, as principais empresas envolvidas no esquema criminoso, onde contariam com a interferência do senador.
Procurado, o senador Ciro Nogueira respondeu com um ofício encaminhado por ele ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em que chamou o ICL Notícias de “site de pistoleiros”, negou as acusações e colocou seus sigilos à disposição da Justiça;
“Ao informar Vossa Excelência que essas pessoas jamais estiveram em meu gabinete, que por jamais ter tido proximidade de qualquer espécie, e portanto nunca poderia ter advogado em benefício delas e a inaceitável hipótese de que poderiam ter me favorecido financeiramente, de qualquer forma, é absolutamente mentirosa, peço a Vossa Excelência que determine, com a máxima urgência, à Polícia Federal, que solicite os registros de entrada em meu gabinete no ano citado ou em qualquer ano, e que requeira as imagens e os registros de entrada na sede ou nos escritórios dessas pessoas”, afirmou.
“Coloco, por meio deste, TODOS os meus sigilos à disposição (a começar pelos de meu gabinete, de meu telefone e todos os demais) para comprovar que em tempo algum mantive qualquer ligação com qualquer facção criminosa.”
Contactados através de seus advogados, Mohamad Hussein Mourad e Roberto Augusto Leme da Silva também não responderam até o fechamento dessa reportagem. O espaço segue aberto.
Operação Carbono Oculto
Primo e Beto Louco estão foragidos desde quinta-feira (28), dia em que foi deflagrada a Carbono Oculto, uma megaoperação que reuniu esforços simultâneos da Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público paulista para desbaratar um esquema bilionário que envolve uso de fundos de investimentos sediados na Faria (avenida na zona oeste de São Paulo que reúne os principais operadores financeiros do país), fraudes fiscais no setor de combustíveis e lavagem de dinheiro para o crime organizado. Há suspeita de que houve vazamento dos mandados de prisão, o que possibilitou a fuga dos dois suspeitos.
Os dois suspeitos seriam os verdadeiros donos da Copape e da Aster. Outras empresas envolvidas no esquema seriam o Reag, um dos maiores fundos de investimento do país, que foi usado na compra de empresas, usinas e para blindagem do patrimônio dos envolvidos, e o BK Bank, fintech que movimentava dinheiro com uso das chamadas “contas bolsão” não rastreáveis.
Um dos políticos mais identificados com o Centrão, bancada suprapartidária de orientação conservadora conhecida por seu voraz apetite por verbas e cargos públicos, Ciro Nogueira foi ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, entre agosto de 2021 e dezembro de 2022. Nogueira é um dos principais defensores dos interesses do mercado financeiro no Congresso Nacional e é defensor ferrenho Jair Bolsonaro, de quem foi ministro.
O senador entrou, recentemente, em uma disputa interna pela indicação da chefia da ANP. Ao lado do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), apadrinhou a candidatura de Daniel Maia. Mas o escolhido pelo presidente Lula foi o advogado Artur Watt, bancado por Otto Alencar (PSD-BA). O plenário do Senado aprovou a indicação de Watt para a diretoria-geral, no último dia 19.
Emendas de Ciro Nogueira ao projeto de “devedor contumaz”
No ano passado, a atuação de Ciro Nogueira foi alvo de críticas de representantes do setor de combustíveis por apresentar emendas a projetos de lei que tramitam no Senado sobre a tipificação e punição do “devedor contumaz”. A avaliação era de que as propostas do senador atrapalham o andamento dos projetos.
O devedor contumaz é uma pessoa jurídica que, de forma reiterada e sem justificativa, deixa de pagar impostos, utilizando a inadimplência fiscal como parte do seu modelo de negócio para obter vantagem competitiva indevida sobre outras empresas que pagam seus tributos em dia. O objetivo dos projetos de lei é o de definir punições a quem recorre a essa prática fraudulenta.
As informações divulgadas sobre a Operação Carbono Oculto demonstram que o modelo fraudulento de negócios das empresas de Primo e Beto Louco é baseado justamente neste tipo de estratagema. Logo, não aprovar o projeto de lei era de interesse dos chefes do esquema do PCC.
Em 18 de junho de 2024, uma terça-feira, Ciro Nogueira apresentou duas emendas ao projeto de lei 125/2022, que tem a relatoria do senador Efraim Filho (União Brasil/PB). Ele rejeitou as duas propostas em seu relatório.
Como mostrou a colunista do UOL, Raquel Landim, a primeira emenda excluía da classificação de “devedor contumaz” os setores com influência estatal na formação de preço, caso dos combustíveis onde operam as empresas alvo da operação. A segunda emenda deixava a cargo da agência reguladora (no caso de combustíveis, a ANP) definir que firma se encaixa, ou não, no critério de “devedor contumaz”.
Em dezembro de 2023, o senador havia apresentado emenda a um outro projeto que trata do mesmo tema. A emenda também foi rejeitada.
Em abril deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o projeto de lei. Logo após a deflagração da Carbono Oculto, o presidente do Senado David Alcolumbre (União Brasil-AP) colocou o projeto na pauta de votação do plenário, prevista para ocorrer nesta terça-feira (2).
Processos da Copape e da Aster na ANP
De acordo com a investigação do MP-SP e da PF, Primo e Beto Louco comandam uma intrincada rede criminosa presente em todas as etapas da cadeia produtiva do açúcar, álcool e combustíveis, e que é formada por uma miríade de empresas que atuam no transporte, fabricação, refino, armazenagem, além de redes de postos de combustíveis e lojas de conveniências.
As empresas Copape e Aster são instrumentalizadas há anos, afirma o MP, “para o desempenho de fraude fiscal estruturada, fraudes contábeis, falsidades diversas e lavagem de capitais.
As investigações apontam que o grupo criminoso “inflava” artificialmente os preços dos insumos nas transações entre a Copape e a Aster com o objetivo de sonegar impostos e obter créditos tributários indevidos.
O esquema era dividido entre a gestão operacional das usinas e a gestão financeira e patrimonial, utilizando fundos de investimento e empresas de participações para ocultar a origem e destino dos recursos ilícitos.
As suspeitas sobre a Copape e Aster remontam há pelo menos cinco anos, quando as duas empresas experimentaram um crescimento exponencial no mercado de combustíveis.
Em 3 de agosto de 2021, a ANP cancelou autorizações de importação de gasolina e de solventes da Copape. Na época, ocupava a segunda posição no mercado brasileiro.
A Copape é uma formuladora, isto é, compra derivados de petróleo para fabricar gasolina e diesel. Já a Aster, é uma distribuidora de combustíveis.
Uma nota técnica da Secretaria de Fazenda de São Paulo divulgada na época apontou que, no período entre janeiro de 2020 até abril de 2021. a Copape havia sonegado R$ 1,38 bilhão de ICMS para o estado paulista.
O processo na ANP foi marcado por disputa judicial e culminou na revogação definitiva das licenças da Copape e da Aster referendada pela diretoria colegiada da agência, em 29 de novembro de 2024. Uma reunião do colegiado manteve a suspensão, em fevereiro deste ano.
Com a denúncia feita pela fonte ao ICL Notícias, a Polícia Federal abre uma nova linha de investigação sobre o esquema que envolve o principal grupo criminoso no Brasil – desta vez, nos salões da alta política em Brasília. Nossa reportagem segue apurando mais histórias relacionadas ao caso".
Ciro nega elo com PCC e pede apuração imediata da PF
Em ofício protocolado neste domingo (31/8) ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) negou qualquer ligação com o PCC e solicitou investigações urgentes pela Polícia Federal. O documento responde a questionamentos do site ICL e contesta relatos atribuídos a uma testemunha que disse à PF que o parlamentar teria recebido dinheiro vivo de integrantes da facção.
No texto, Nogueira afirma que “essas pessoas jamais estiveram em meu gabinete” e que “por jamais ter tido proximidade de qualquer espécie, e portanto nunca poderia ter advogado em benefício delas (…) é absolutamente mentirosa” a hipótese de favorecimento financeiro.
O senador pediu que a PF verifique os acessos à sua sala no Congresso e registros em endereços ligados aos acusados. “Solicito à Polícia Federal que solicite os registros de entrada em meu gabinete no ano citado ou em qualquer ano, e que requeira as imagens e os registros de entrada na sede ou nos escritórios dessas pessoas”, escreveu. Ele acrescentou: “Coloco, por meio deste, TODOS os meus sigilos à disposição”.
Ciro também atacou a publicação que prepara reportagem sobre o caso. Classificou o ICL como “um site de pistolagem da esquerda, uma espécie de milícia digital”, que estaria promovendo “gravíssimas e desleais calúnias”.
O senador disse ainda acreditar que o combate ao crime organizado não deve ser usado como perseguição política. “Quero crer que o importante combate e repressão às organizações criminosas não serão usados como instrumento de perseguição política, por meio da proliferação de informações falsas e absolutamente mentirosas.”
A mensagem anexada ao ofício, enviada por um jornalista do ICL, afirma que a reportagem seria assinada por Leandro Demori, Cesar Calejon e outros, e relata que Nogueira teria recebido “uma sacola de papelão com uma grande quantidade de dinheiro vivo” de Mohamad Hussein Mourad, o “Primo”, e de Roberto Augusto Leme da Silva, o “Beto Louco”. Segundo a transcrição, o suposto encontro ocorreu em agosto de 2024, em Brasília, e teria relação com fraudes fiscais no setor de combustíveis.
O senador encerrou o ofício dizendo que não será intimidado: “Tenho minha consciência tranquila e a verdade ao meu lado. Quero mais, e não menos, investigação.”
Fonte: ICL/Metrópole/Fórum/Brasil 247/Infomoney