O Fantástico, da Rede Globo, exibiu nesse domingo (20), uma reportagem sobre os moradores da pequena Várzea Queimada, na zona rural de Jaicós, no sertão do Piauí, que criaram uma língua de sinais própria para se comunicarem com os surdos da comunidade. Há um alto índice de pessoas surdas de nascença na cidade e os moradores criaram a língua chamada Cena, que chamou a atenção de pesquisadores do Brasil e exterior.
Várzea Queimada possui 900 moradores e tem um dos piores índices de desenvolvimento humano do país. Atualmente, são 34 moradores surdos. Para cada 25 nascimentos, uma criança da comunidade nasce surda. Segundo a pesquisadora Karina Mandelbaun, doutora em genética pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, é a genética que explica esse fenômeno.
O isolamento da comunidade fez com que houvesse casamento entre primos. Desta forma, os genes que causam a surdez foram bastante replicados em Várzea Queimada.
“Esse material genético, ele contém lá instrução para fazer todo o nosso corpo, desde a cor do nosso cabelo, da nossa altura, e também ele tem esses defeitinhos que podem levar a alguma doença”, disse a pesquisadora.
Dona de casa Silvana Luzia tem seis filhos e três nasceram surdos. Segundo ela, as crianças aprenderam naturalmente na comunidade a nova língua. “Foi difícil, mas consegui. Porque é uma regra que eles vão aprendendo, aprendendo, até adaptar. Foi difícil, mas deu para entender. Eles já sabem comunicar todas as Cenas”, relatou.
Sem saber, a família ajudou a estruturar o que os pesquisadores chamam de língua emergente. O fenômeno despertou o interesse de um doutor em linguística pelo Massachusetts Institute of Technology:
“Acho até um nome bonito, que dá essa dimensão teatral. É uma língua nova, completamente inédita e completamente diferente de Libras”, explica Andrew Nevins.
Tanto surdos como não-surdos se comunicam usando a Cena em situações cotidianas, como ir à igreja, comentar sobre o calor, fazer compras nos mercadinhos da comunidade. E, se alguém ainda tem dificuldade em usar a língua, as outras pessoas ajudam.
O comerciante José Henrique contou que aprendeu a língua naturalmente, apesar de não ser surdo. “Tem muitos mudos que são ‘intelectual’, que sabe se comunicar bem com a gente. Tem outros que têm problema e dificuldade. Mas é tranquilo, a comunidade é adaptada para esse tipo de situação”, contou.
De lá pra cá, foram registradas quase 300 expressões utilizadas pela comunidade. A pesquisa está ganhando forma em um dicionário. As palavras e expressões são registradas com fotos.
“A ideia de se criar um dicionário é para valorizar a língua desse povo, fazer com que as gerações futuras tenham acesso a esse material, esse registro, e fazer com que outras pessoas também conheçam a Cenas, uma língua de sinais genuinamente piauiense”, comentou o pesquisador Anderson Almeida, da UFDPar.
A Cena chamou atenção também de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. O pesquisador e doutor em linguística Andrews Newins tenta fazer um paralelo entre o caso brasileiro e o de outras duas comunidades, localizadas em Israel e na Turquia, onde os surdos também desenvolveram sua própria forma de se comunicar.
Para o pesquisador, estamos diante de uma nova língua, genuinamente piauiense. “Acredito que isso vai fazer parte de uma grande comparação internacional que estamos no processo de fazer, de comparar os mesmos vídeos, as mesmas sinalizações entre essas línguas, para ver de fato se tem o que se chama uma ‘evolução paralela’. É uma língua nova, completamente inédita e completamente diferente de Libras”, explicou.
Acesse o link para assistir a reportagem: https://globoplay.globo.com/v/10320183/
Fonte: Com informações de G1/Rede Clube/TV Globo