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Rompimento de bacias em usina solar gera prejuízos e danos ambientais no Sul do Piauí

Moradores de São Gonçalo do Gurgueia vivem drama pela segunda vez e relatam prejuízos nas atividades agropecuárias

Valciãn Calixto e Luiz Brandão

Quarta - 12/02/2020 às 17:48



Foto: Piauihoje.com Enxurrada arrastou entulhos após rompimento da represa erguida no parque solar
Enxurrada arrastou entulhos após rompimento da represa erguida no parque solar

Destruição de plantações, morte de animais, isolamento de comunidades e assoreamento de trecho do Rio Gurguéia. Essas são consequências imediatas do rompimento de bacias de contenção de águas das chuvas no entorno do parque de energia solar de São Gonçalo do Gurguéia, municipio localizado no extremo Sul do Piauí. Quando concluído, o parque será o maior em capacidade de produção de energia solar da América do Sul.

O rompimento das bacias de contenção ocorreu dia 5 de fevereiro, mas somente nesta quarta-feira (12.02) a informação foi tornada pública, com exclusividade, pelo portal Piauí Hoje.Com.

Com o grande volume de águas das chuvas do final de 2019 e início deste ano, as bacias construídas no entorno do parque ficaram totalmente cheias e se romperam. As enxurradas desceram da Serra de Santa Marta, onde fica o parque, para as áreas mais baixas, levando muito entulho, areia e lama. Deixaram um rastro de destruição por onde passaram.

O secretário de Meio Ambiente de São Gonçalo do Gurguéia, Edilberto Nobre, diz que na área mais atingida moram 30 famílias, mas elas não correm risco de morte. A Enel Green Power, empresa responsável pela instalação e gestão do parque, teria proibido o secretário de fiscalizar as obras na área.

Relatos das vítimas revelam que as água e a lama invadiram as terras e plantações de agricultores e pecuaristas dos povoados Grotão da Lapa, Buritizinho e Lapa, que ficam a 3, 6 e 9 quilômetros, respectivamente, do centro da cidade de São Gonçalo do Gurguéia. Imagens do desastre confirmam os relatos.

As famílias atingidas estão se reunindo para tratar do caso e dos prejuízos que ainda estão sendo contabilizados. A morte de gado, e a destruição de plantações de milho e melancia, bem como o assoreamento de trecho do rio são os principais prejuízos apontados até agora.

Os agricultores têm o milho e a melancia como os principais produtos da região atingida. Eles se preparavam para um grande volume de comercialização desses produtos durante a período da Semana Santa, no mês de abril.

Já os pecuaristas, com medo de perder totalmente seus rebanhos, transferiram os animais para outras localidades três dias após o rompimento das bacias. Eles alegam que os animais iam beber no rio e morriam atolados na areia e na lama.

Necessárias e importantes

As bacias de contenção são importantes nos porque reduzem pico de escoamento, evitando inundação e a degradação de terrenos e habitações. Também reduzem a carga de contaminantes, controlam a erosão, recarregam os aquíferos e podem ser usadas para armazenar água.

Mas, de acordo com o secretário de Meio Ambiente de São Gonçalo do Gurguéia, "na área de bacia rompida o escoamento está anormal e as águas, lama, detritos e entulhos já atingiram as nascentes dos riachos, como os do Boqueirāo dos Macacos, do Buritizinho e do Buriti do Meio, "além de toda borda da serra do lado destas localidades".

Ele ressalta que rompimento acabou com os brejos e com as nascentes que haviam nas propriedades. Também aterrou muito. Trm lugar agora com quase dez metros de altura só de areia e entulhos”, diz Edilberto.

Silêncio como resposta

O parque solar de São Gonçalo do Gurguéia fica em uma região elevada, no alto da Serra de Santa Marta. A Enel Green Power, segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, não informou sobre o caso às autoridades ambientais. Também não mostrou interesse em esclarecer o rompimento à imprensa.

O Piauí Hoje.Com fez diversos contatos com a assessoria da empresa nas últimas 48 horas. Foi prometida uma nota oficial sobre o caso, mas a promessa não foi cumprida. Também foram tentados vários contatos com a engenheira responsável pelas bacias de contenção do parque, mas ela também não retornou as ligações.

PARQUE SOLAR SÃO GONÇALO 

Uma publicação de 2018 na página da Enel Brasil no Facebook aponta que a “construção da maior planta solar da América do Sul” teve início em 22 de outubro daquele ano.

Iniciamos a construção do Parque Solar de São Gonçalo, no Piauí!

A planta será capaz de gerar 1200 GWh por ano, com seus mais de 1 milhão de módulos solares, e tem potencial para evitar a emissão de 600 mil toneladas de gás carbônico (CO2) na atmosfera.

São Gonçalo é o maior parque solar em construção na América do Sul, o que reforça nossa liderança na produção de energia solar no Brasil e nosso compromisso com a utilização de fontes renováveis pelo País.


De acordo com o site da Enel Green Power, o investimento é de cerca de 422 milhões de reais, equivalente a aproximadamente 100 milhões de euros, na construção da nova seção de 133 MW.

Por meio do número 0800 280 0120, disponível no Facebook da empresa, a reportagem não conseguiu contato com a Enel para esclarecer quais ações tomará a fim de evitar maiores prejuízos à população das três localidades e ao meio ambiente.

VERSÃO DA SEMAR

Já em contato com Renato Nogueira, Gerente de Fiscalização da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMAR), o técnico assegurou que na próxima semana uma equipe da pasta será enviada ao município, onde fará um trabalho de campo junto às comunidades de Grotão da Lapa, Buritizinho e Lapa visando mensurar e mapear os impactos causados com o rompimento das represas.

Nogueira conta que o Governo do Piauí tem ciência da situação e já realizou fiscalizações no município ainda em 2019.

Gerente de Fiscalização da SEMAR, Renato Nogueira

“O problema aconteceu no período chuvoso [do ano passado], do material carreado pela água por conta do parque na chapada. Andamos em todos os pontos onde haviam impactos decorrentes do empreendimento, a empresa estava em processo de remediação, apresentaram as medidas para que não acontecesse mais, como implementação de bacias de canais, monitoramento de qualidade de água e nos deu prazo para apresentarem um projeto, só poderíamos verificar a eficácia do projeto no período do inverno [seguinte]”, esclareceu.

De acordo com o gerente, a equipe visitará as comunidades atingidas e a empresa para preparar um relatório sobre o caso. “Se a obra, mesmo tendo sido implementada, não estiver conforme o desejado, pode haver algum tipo de sanção [à empresa], vamos avaliar o impacto na comunidade e no meio ambiente”, completou.

Segundo Renato Nogueira, o trabalho de campo que a equipe vai realizar deve durar dois dias. Ele explicou ainda que, caso os moradores se sintam lesados pela Enel, devem ingressar com uma ação civil para reparação dos danos que julguem ter sofrido.

“Os que se sentirem lesados, eles têm que entrar na justiça com ação de danos contra a empresa, no relatório que a gente fizer podemos constatar aquilo que eles alegarem”, concluiu.

PARALISAÇÃO

Imagem: Portal Corrente

No final de janeiro deste ano, nos dias 27 e 28, trabalhadores da Soltec, empresa que presta serviços ao parque solar em São Gonçalo do Gurgueia, paralisaram as atividades exigindo pagamento de horas extras, do vencimento integral de funcionários e de premiações por meta alcançada. Não foi a primeira vez que os trabalhadores cruzaram os braços na obra na briga por seus direitos.

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