Há uma década, a Resolução 163, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), transformou o cenário da publicidade infantil no Brasil. A norma estabelece que é abusivo direcionar anúncios diretamente para as crianças e adolescentes, mudando radicalmente como esse público consome propaganda nos meios tradicionais.
A antropóloga Renata de Sá Gonçalves e o professor Thiago Silva Freitas Oliveira, ambos crianças nas décadas de 1980 e 1990, recordam-se de uma época em que os comerciais de brinquedos e alimentos processados eram comuns na TV, principalmente em datas comemorativas como o Dia das Crianças e o Natal. Eles ainda guardam lembranças de jingles que marcaram essa era: "Lá lé lí ló Lu Patinadora" e "Danoninho dá", bem como comerciais de produtos como Calói, Batom e Comandos em Ação, que impactaram e influenciaram suas infâncias.
Hoje, essa experiência é bem diferente para as crianças que cresceram com a Resolução em vigor. Rosa, filha de Renata, descreve as propagandas de forma distante, referindo-se a elas como “anúncios de produtos que aparecem na TV para as pessoas conhecerem”. Théo, filho de Thiago, menciona anúncios em jogos de celular, mas raramente vê comerciais voltados para o público infantil na TV, que atualmente restringe anúncios para esse público em canais de desenhos e streaming.
Impacto e Consequências
De acordo com Adilson Cabral, professor de comunicação e especialista em ética publicitária, a Resolução surgiu de um movimento que envolveu várias instituições, como o Instituto Alana e o Conselho Federal de Psicologia, que se opunham à publicidade abusiva voltada às crianças. "O objetivo da norma é não tratar a criança como decisora de compra", explica Cabral, destacando que o uso da imagem infantil em comerciais cria uma pressão para que os pais comprem determinados produtos.
Para Marina de Pol Poniwa, presidenta do Conanda, a Resolução 163 foi uma resposta ao contexto sociopolítico da época, que exigia medidas para proteger o público infantil. Ela observa que anúncios de produtos voltados para crianças e adolescentes, como o popular "Compre Batom", incentivavam o consumo compulsivo e geravam consequências negativas para a saúde e o bem-estar das crianças, como ansiedade e obesidade.
Mudanças na Indústria
A Resolução gerou um impacto considerável na indústria de brinquedos e alimentos, forçando as empresas a adotarem novas abordagens de publicidade. Rodrigo Paiva, presidente da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral), aponta que a norma foi uma surpresa para o setor, que não foi incluído nas discussões em 2014. A Abral enfatiza que não é contra a regulamentação, mas acredita que o simples uso de cores vibrantes e personagens infantis em comerciais não deveria ser considerado abusivo. Desde então, a associação busca conscientizar as empresas sobre práticas de publicidade responsáveis.
Publicidade Infantil atualmente
A presidenta do Conanda ressalta que, embora a Resolução não tenha força de lei, ela serve como base para decisões judiciais e atuações do Ministério Público e do sistema de proteção aos direitos das crianças e adolescentes. A medida ajudou a limitar o alcance da publicidade infantil em plataformas tradicionais, mas a exposição a conteúdos publicitários não desapareceu. Renata aponta que o mercado se adaptou e, atualmente, muitos produtos infantis incluem elementos de promoção que alcançam as crianças de outras formas, como produtos licenciados em cinemas e redes sociais.
Thiago, que hoje é pai, observa que o Natal e o Dia das Crianças dos seus filhos são menos marcados pela avalanche de propagandas que ele vivenciou na infância. “Agora, eles geralmente têm um ou dois brinquedos em mente, enquanto eu era impactado por vários anúncios”, comenta, reconhecendo que essa diferença também reflete mudanças no consumo e no cenário financeiro de sua família.
O professor Adilson Cabral reforça a importância de uma publicidade responsável, que respeite os direitos das crianças. Segundo ele, o objetivo é tornar o mercado publicitário um ambiente mais ético e sustentável. "A criatividade responsável é possível e necessária, e é vital para promover um ambiente publicitário que valorize a qualidade e características dos produtos sem prejudicar o público infantil", conclui.
Fonte: Agência Brasil