
Um bulldog francês de roupinha no banco da frente do carro virou o principal símbolo de afeto em Teresina. É assim que passageiros de aplicativo têm conhecido o Bruce Segundo, o cãozinho que acompanha o servidor público Ariano Pereira da Silva durante corridas nos fins de semana.
No Dia Internacional da Amizade, celebrado neste domingo (20) no Brasil, a história da dupla chama atenção para os laços de amizade que ultrapassam as palavras e mostram que existe conexão entre humanos e seus pets de estimação.
Reconhecida pelas Nações Unidas desde 2011 como uma data para celebrar a cultura de paz e solidariedade, a data foi originalmente proposta pelo médico paraguaio Ramón Artemio Bracho. No Brasil, Uruguai e Argentina, a data passou a simbolizar o carinho entre amigos, principalmente aqueles de quatro patinhas.
Esse é o caso do Ariano, onde essa definição encaixa perfeitamente na relação que construiu com o Bruce. “O dia da amizade é uma data para celebrar com pessoas, e ou animais, que não são nossa família biológica, mas escolhemos para serem de nossa família afetiva”, diz.
Para a psicóloga clínica Victoria Mello, especialista em terapia cognitivo-comportamental, esse tipo de vínculo tem impacto direto no bem-estar emocional. “Os animais oferecem um tipo de afeto puro e constante, que ajuda a reduzir o estresse, a ansiedade e até melhora o humor. Eles também estimulam a empatia e o senso de responsabilidade, o que é muito importante para o equilíbrio emocional e social”, explica.
Victoria Mello, Psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental - Reprodução/ Redes Sociais
“É uma data em que lembramos a importância desses laços que, mesmo não sendo de sangue, possuem a mesma força ou até uma maior, já que nós escolhemos para ter ao nosso lado”
O cão-piloto
Servidor no Maranhão e motorista de aplicativo aos fins de semana desde 2018, Ariano conta que Bruce começou a acompanhá-lo por acaso. “Minha esposa participava de uma confraternização e o restaurante não permitia pets na área climatizada. Tive que ficar com o Bruce no carro. Ele tinha só quatro meses”, lembra.
Ao receber a primeira passageira naquela noite, acendeu a luz do carro para conversar, e ela notou o cãozinho deitado no banco da frente. “Ela fez uma festa, tirou fotos, vídeos, foi abraçando e cheirando ele durante a corrida toda”, conta. A empolgação se repetiu com outros passageiros, e a dupla decidiu repetir a experiência nos fins de semana.
Desde junho de 2023, Bruce se tornou oficialmente copiloto das viagens. Mas nada é feito de forma improvisada: o cão, hoje com dois anos e quatro meses, tem rotina organizada por uma veterinária, faz pausas regulares durante as corridas e leva consigo uma mochila com lencinhos, sacos higiênicos, hidratante, cinto de segurança e até espuma bucal, tudo conforme o Código de Trânsito Brasileiro.
Os passageiros aprovam o au-migo
A cada nova corrida, as reações variam entre alegria, surpresa e emoção. “Cerca de 95% dos passageiros têm reações positivas. Os demais, quando não gostam, têm seus motivos: medo, alergia ou não curtem animais. E está tudo certo, respeitamos”, explica Ariano.
O respeito é prioridade. Caso um cliente não esteja confortável com a presença de Bruce, a corrida é cancelada antes da cobrança. “Nunca forçamos nada”, garante.
Mas nem todos os momentos são leves. Em uma ocasião, uma passageira chorou ao ver Bruce, pois havia perdido seu cachorro dois meses antes. São esses encontros inesperados que também transformaram o cãozinho em um fenômeno das redes sociais. O perfil de Bruce no Instagram começou como um álbum de fotos e hoje soma mais de 490 mil seguidores, e cresce cerca de mil por dia. Um dos vídeos mais populares alcançou 2,3 milhões de visualizações no Instagram e 8,1 milhões no TikTok.
A presença de Bruce no cotidiano das corridas não apenas cativa os passageiros, como também contribui para fortalecer vínculos sociais. Segundo Victoria Mello, os pets desempenham um papel importante no combate à solidão.
Ter um pet é como ter uma companhia silenciosa, mas muito presente. Eles fazem a gente se sentir menos sozinhos, especialmente em momentos difíceis, sabe? Além disso, passear com um cachorro, por exemplo, pode abrir um espaço para interações sociais no dia a dia.
Com essas interações, Ariano decidiu investir em equipamentos para capturar melhor essas reações: comprou câmera, instalou luz de LED no carro e grava todas as corridas. Além de entreter, o perfil também apoia causas sociais, como resgates e adoções de animais. Mas tudo é feito com critério. “Só divulgamos casos que conseguimos comprovar. Não queremos colocar ninguém em risco.”
O amor que perdura na saudade
O carinho por Bruce nasceu da saudade. Ele foi adotado em abril de 2023, após a morte do primeiro cãozinho da família, também chamado Bruce, em 2021. Desde então, Ariano, sua esposa e mais três cães compartilham um lar cheio de afeto.
“Os animais não possuem maldade. Amam de verdade. Eles têm uma inocência que nenhum humano é capaz de ter. Ao contrário dos humanos, que agem por interesse, os animais só esperam de nós carinho e afeto”, afirma Ariano.
Na avaliação da psicóloga, esse acolhimento emocional ajuda a criar um espaço de refúgio afetivo no meio da rotina agitada.
Enquanto as relações humanas às vezes se tornam superficiais ou distantes por causa da correria, os pets seguem ali, constantes, pedindo carinho e oferecendo a presença deles. Eles têm sido um refúgio emocional para muita gente, analisa Victoria.
Bruce, mais do que cão-piloto, virou confidente, companhia e parte essencial da rotina da família.
Amigos são pessoas, ou animais, que escolhemos pra ter do nosso lado, diz o motorista.
No Dia da Amizade, a história dos dois lembra que, embora nossos pets sejam apenas um capítulo da nossa vida, nós somos o livro inteiro da vida deles. E que toda saudade é um gesto genuíno de amor, daquele que perdura e atravessa qualquer barreira, e que sempre vale para todos os tipos de corações em nossos amigos.
E como canta Milton Nascimento, na inesquecível “Canção da América”:
“Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam ‘não’
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração”
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(*) Isaac Da Silva é estagiário sob supervisão da jornalista Nayrana Meireles -DRT 0002326/PI