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ORGULHO NERD

Como ser nerd deixou de ser um estereótipo e tornou-se identidade cultural

No Dia do Orgulho Nerd, artistas e produtores contam como o universo geek transformou preconceito em celebração

Por Isaac Da Silva (*)

Domingo - 25/05/2025 às 08:08



Foto: Reprodução/Fernanda Alves Davi/O Globo As cosplayers Clarissa e Giovana  durante a CCXP de 2024, onde ambas estavam caracterizadas de Jinx, do League of Legends
As cosplayers Clarissa e Giovana durante a CCXP de 2024, onde ambas estavam caracterizadas de Jinx, do League of Legends

O que antes era visto como motivo de piada hoje movimenta bilhões, lota eventos e inspira pessoas a se expressarem com orgulho. No Dia do Orgulho Nerd, celebrado neste 25 de maio, artistas, jornalistas e produtores contam como a cultura geek saiu das margens e passou a ocupar o centro da cultura pop.

Durante muito tempo, ser nerd era sinônimo de exclusão. Hoje, é símbolo de criatividade, diversidade e pertencimento. “Quando saiu o último filme dos Vingadores em 2019, era o que mais se comentava. As salas de cinema lotadas mostravam como o nerd havia deixado de ser um estereótipo para se tornar um consumidor valorizado”, conta o jornalista e colunista Francisco Clarin, da Boa Geek, na Meio News.

Segundo ele, o sucesso dos filmes baseados em quadrinhos e o avanço da tecnologia foram cruciais para transformar o nerd em protagonista do entretenimento. “A cultura nerd, quando respeitada, convida ao pensamento crítico, à imaginação. Mas quando vira só uma fórmula, perde potência”, avalia.

Francisco Clarin, jornalista e colunista da Boa Geek, defende a cultura nerd como espaço de imaginação, crítica e diversidade - Reprodução/Boa Geek

Essa virada também foi sentida no universo cosplay, como explica Bhya Stark, estudante de jornalismo e cosplayer profissional. “Antigamente, era muito comum ouvir comentários desrespeitosos ou ver pessoas tratando o cosplay como algo infantil ou ridículo. Quem é cosplayer já ouviu muitas coisas como: 'Para de passar vergonha com isso', 'Isso é coisa do demônio', 'Vê se cresce', 'Quem faz isso não tem o que fazer', etc...”

Ela destaca, no entanto, que hoje há um reconhecimento muito maior, principalmente nas cidades metropolitanas, de que o cosplay é uma forma legítima de arte e expressão. “O acesso à informação e o crescimento das redes sociais ajudaram o público a entender melhor o trabalho envolvido de costura, maquiagem, atuação, fotografia... Tudo isso elevou o respeito. Não que todos os tipos de desrespeito acabaram, porque não acabou, ainda existem desafios, mas a evolução foi visível ao longo dos anos.”

Do preconceito à celebração

A cultura nerd passou de um “gosto de nicho” à tendência global por um conjunto de fatores: o crescimento do mercado de entretenimento, o avanço das redes sociais e o desejo de se reconhecer em herois que encarnam dilemas morais e desafios humanos. “Ficção científica antecipa debates sobre tecnologia e ética. Os games nos colocam diante de decisões complexas. E os herois refletem nossos próprios dilemas de forma lúdica”, afirma Clarin.

Bhya Stark, cosplayer e estudante de jornalismo, transforma o cosplay em arte e resistência - Reprodução/ Valter Sousa

Bhya também lembra que, apesar dos avanços, os desafios continuam. “Ainda há preconceito. Mas a diferença é que hoje temos mais espaço para mostrar que o cosplay é arte, é resistência, é saúde mental, é conexão.” Pessoalmente, ela diz que o cosplay a ajudou a enfrentar a depressão, se expressar melhor e conquistar oportunidades profissionais. “O cosplay me ajudou a me descobrir, a encontrar minha voz. Me transformou por completo.”

Mas por que o dia 25 de maio?

O Dia do Orgulho Nerd, celebrado em 25 de maio, nasceu na Espanha em 2006 e logo se espalhou pelo mundo. A data homenageia dois ícones da cultura nerd: a estreia do primeiro filme de Star Wars, em 1977, e o Dia da Toalha, criado por fãs de Douglas Adams, autor de O Guia do Mochileiro das Galáxias. Desde então, o dia se tornou um marco para celebrar filmes, séries, games, HQs e tudo que envolve o universo geek.

No Brasil, a comemoração ganhou força nos últimos anos, impulsionada por eventos temáticos, redes sociais e o crescimento das comunidades de fãs. Encontros em shoppings, concursos de cosplay e maratonas de filmes fazem parte da festa. Para Byah Stark, mais do que um rótulo, ser nerd é uma identidade: “Ser nerd é ser livre para ser quem você é, sem medo de mostrar o que ama.”

Um dos exemplos de movimentos que dão à cultura nerd mais visibilidade no Brasil é a Comic Con Experience (CCXP), um dos maiores eventos de cultura pop do mundo, realizado anualmente em São Paulo. Reunindo fãs, artistas, produtores e grandes marcas, a CCXP se tornou um palco para lançamentos, conversas e celebração do universo geek em suas múltiplas vertentes. 

A CCXP, maior evento geek da América Latina, reúne fãs, artistas e marcas em uma celebração da cultura pop - Reprodução/Redes sociais

Piauí 

Inspirados por essa movimentação, surgem eventos regionais que fortalecem a cena local. No interior do Piauí, a cultura nerd também ganha força. Em Picos, o evento Picos Geek Show (PGS) movimenta a cena local e estadual e reúne fãs de games, animes, cinema e cosplay. “A ideia surgiu para dar visibilidade a uma comunidade apaixonada, que antes não tinha espaço para se reunir e se expressar”, conta uma das organizadoras do evento, Elaine Guimarães.

Segundo ela, o evento cresceu com o apoio de marcas, da Secretaria de Turismo e da prefeitura, mas se sustenta principalmente pela paixão dos organizadores e pela confiança do público. “Ver a alegria das pessoas é o que nos move.”


A cada edição, a equipe busca acompanhar as tendências dos streamings, redes sociais e quadrinhos para entregar um evento atualizado. “Nosso foco é ouvir quem consome essa cultura todos os dias”, afirma Elaine. E reforça: “Valorizar os talentos locais é um dos pilares do evento. Cosplayers, criadores, dançarinos, todos têm vez no PGS.”

Por mais vozes nerds

Se por um lado o mercado nerd hoje é bilionário, por outro ainda enfrenta problemas de representatividade. Ainda é um meio muito masculino, branco e conservador. É preciso trazer mais mulheres, negros, LGBTs, não só nos personagens, mas também nos bastidores.

Essa transformação passa também por vivências pessoais que rompem com o estereótipo do “nerd padrão”. “Eu sempre tive muita curiosidade para imaginar coisas, conhecer mais. Cresci lendo quadrinhos porque era o que me chamava atenção. Eu não gostava de ler livros, mas meu pai percebeu que eu adorava ilustrações e começou a me dar revistas em quadrinhos. Comecei com Turma da Mônica, O Menino Maluquinho, Mafalda. Aos poucos fui me interessando por outras histórias, os mangás… Foi muito lindo. Quando percebi, já estava completamente dentro desse universo."

O Picos Geek Show (PGS) movimenta o Estado do Piauí com cultura nerd, valorizando talentos locais e a paixão dos fãs - Reprodução/ Picos Geek ShowHoje, ele transforma essa trajetória em pauta. “Como jornalista, a cultura nerd me inspira a propor pautas que misturam entretenimento com crítica social. Porque é preciso valorizar essas vozes que por muito tempo ficaram à margem. Eu quebro o padrão do nerd: sou um homem negro, sou um homem bissexual e adoro falar e escrever sobre cultura geek. O que me levou até aqui foi, principalmente, a curiosidade de querer aprender cada vez mais.”

“Esse dia representa o orgulho de sermos quem somos, sem vergonha, com liberdade. E mostra que nossas paixões importam, que merecemos ser levados a sério”, complementa Bhya.

No fim, o Dia do Orgulho Nerd não é só sobre HQs, filmes ou games, é sobre reconhecimento, identidade e resistência que cada pessoa atribui às suas "nerdices". Mas, um espaço onde cada pessoa pode ser heroi da própria história.

(*) Isaac da Silva é estagiário sob a supervisão do jornalista Luiz Brandão DRT/PI - 980.

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