O mundo se volta para os Estados Unidos nesta quarta-feira (20), dia em que Joe Biden se torna oficialmente o 46º presidente norte-americano. Não seria diferente no mercado financeiro, com os investidores atentos se o discurso do democrata revelará alguma pista sobre os rumos da maior economia global nos próximos anos.
Do ponto de vista de mercado, a expectativa não é de grandes variações nas bolsas internacionais. “Já está precificado. Se tiver alguma reação é emocional”, diz Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice e colunista do E-Investidor. “Se Biden fizer um discurso falando em impostos, pacotes e novos auxílios, aí começa a entrar na seara que afeta a percepção do mercado”, explica. Algum evento similar à invasão do Capitólio, por exemplo, também poderia trazer oscilações, a depender da gravidade.
O otimismo em torno do nome do democrata já pairava sobre as bolsas antes mesmo do resultado da eleição, em 7 de novembro de 2020. A confirmação da vitória, inclusive, foi um dos eventos que ajudou na retomada de diversos mercados em novembro. No dia 9 daquele mês, o primeiro pregão após o resultado, o Dow Jones disparou 2,95%, o S&P 500 ganhou 1,17% e o Ibovespa subiu 2,57%. A notícia de 90% de eficácia da vacina da Pfizer/BioNTech também influenciou os pregões.
Biden terá uma série de desafios pela frente, sobretudo em torno da pandemia. Os Estados Unidos são o país mais afetado pela covid-19, com mais de 24 milhões de casos e 400 mil mortes. Assim como em outras nações, a vacinação já começou, mas ainda em estágio inicial, com 11,1 milhões de doses aplicadas, o que equivale a 3,03% da população norte-americana, conforme dados da Our World in Data.
Uma das medidas já anunciadas pelo novo presidente – um novo pacote de estímulo de US$ 1,9 trilhão – colocará ainda mais dinheiro em um mercado extremamente líquido. “Não existe tanta confiança de que esse pacote vai ser aprovado da forma como foi proposto. Mas, sendo aprovado, gera um estímulo significativo para a economia americana e pode ajudar no ensaio da recuperação global”, afirma Carolina Moehlecke, professora da Escola de Relações Internacionais da FGV.
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Investimentos nos EUA
Em 2020, as big techs viveram tempos áureos, mas a expectativa é que empresas de infraestrutura, sobretudo as focadas em meio ambiente, podem ter uma performance melhor na gestão de Biden. Enquanto candidato, ele anunciou um plano ambiental de US$ 2 trilhões em quatro anos para aumentar o uso de energia limpa nos setores de transporte, eletricidade e construção civil.
“O foco é facilitar investimentos em infraestrutura que tenham a ver também com telecomunicações e tecnologia. O Brasil vai passar pelo leilão do 5G, isso é algo para o investidor ficar de olho”, diz Moehlecke. “Além de comunicação, acesso à internet, também há questões mais tradicionais, como renovação de estradas, soluções de transporte e logística, setores que os EUA têm com uma defasagem há muitos anos.”
Já para as big tech os prospectos são de volatilidade, já que o novo governo, em algum momento ainda não especificado, deve ampliar as discussões sobre uma regulamentação do setor. Google e Facebook, por exemplo, foram alvos de ações do Departamento de Justiça (DoJ), Comissão Federal do Comércio (FTC) e dezenas de advogados-gerais estaduais, por supostas práticas ilegais para manter o monopólio de buscas e publicidade na internet.
Em um ano em que a importância da tecnologia avançou exponencialmente, devido à uma nova realidade de viver e trabalhar de forma remota, as ações dessas companhias se tornaram as queridinhas dos investidores. No Brasil, elas também ganharam escala com a flexibilização de BDRs – certificados que espelham ações estrangeiras na B3 – para investidores pessoa física.
Para os especialistas, isso não significa hora de sair abandonando posição nas gigantes, uma vez que essas discussões, ainda que espinhosas, serão lentas. Victor Hugo Cotoski, gestor de novos negócios da corretora inglesa Infinox, observa os que bancos dos EUA têm sinalizado a expectativa de que não haverão grandes mudanças no curto prazo. “Uma mudança ou um imposto novo não vai inibir a empresa de gerar caixa, faturamento e inovação no longo prazo”, diz Cotoski.
Investimentos no Brasil
Apesar da relação nada amigável entre o presidente Jair Bolsonaro e Biden, que já trocaram diversas farpas ao longo de 2020, o estreitamento entre Brasil-EUA é visto como sólido, dado o potencial não só do mercado financeiro brasileiro, como o de consumo. As empresas ligadas a commodities, que já vivem um bom momento na Bolsa, deverão continuar surfando uma boa onda, caso uma retomada econômica se estabeleça de fato em nível mundial.
“Dentro da lógica sustentável, você precisa do desenvolvimento da indústria de minério. À medida que tem um crescimento na área de energia limpa, de painel solar, baterias, etc., invariavelmente precisa envolver as empresas que produzem os minérios necessários para a sua produção”, destaca Aragão, da Arko.
Dentro ou fora do Brasil, a indicação para evitar frustrações é não pensar no curto prazo e focar em diversificação. “O investidor tem que estar ciente que o capital dele vai oscilar. Se for montar uma posição fora do Brasil, tem que estar atento ao câmbio e com pensamento de longo prazo, acima dos cinco anos”, recomenda Cotoski.
Expectativas para o dólar
Com a injeção de mais dinheiro no mercado, é possível que o dólar perca força em relação a outras moedas, ainda que este efeito não seja algo deliberadamente buscado pela gestão Biden. Janet Yellen, nomeada como secretária de Tesouro, já sinalizou que os EUS não vão buscar ativamente uma moeda fraca, mas vão deixar o mercado determinar o ritmo.
Na comparação com o real, por exemplo, as questões domésticas serão mais determinantes para que a moeda brasileira se valorize frente ao dólar. “Não vamos voltar os velhos tempos de real forte. O controle da pandemia e como vão ficar as perspectivas de passar uma reforma administrativa, por exemplo, vão ser mais relevantes do que necessariamente o que vai acontecer nos EUA”, afirma Moehlecke, da FGV.
Aragão concorda. Ele acredita que, no melhor cenário, a moeda deve se manter na casa dos R$ 4,60 e variar até R$ 5,60 em dias de alta do dólar.
Ainda assim, com a expectativa sobre os novos capítulos da pandemia e as eleições presidenciais de 2022 entrando no radar, um cenário de estabilidade política ainda não é concreto nas projeções dos especialistas.
Fonte: Estadão