O conceito de "Povo de Deus" tem implicações profundas para a concepção moderna de democracia e para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Essa ideia, aprofundada por teólogos como José Comblin, representa uma visão transformadora da Igreja e da sociedade, enfatizando a participação ativa, a igualdade, a solidariedade e a luta por justiça social.
Em seu livro "O Povo de Deus", publicado pela editora Paulus, Comblin argumenta que a ideia de Povo de Deus influenciou a concepção moderna de democracia, que busca garantir a participação ativa do povo na construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Ele afirma que "a democracia moderna é a forma secularizada do Povo de Deus" e que "Povo é colaboração e aliança entre pessoas livres, iguais e fraternas", sendo essa a meta a ser alcançada.
Nessa perspectiva, o agir do povo de Deus é marcado pela solidariedade com os mais fracos e oprimidos, colocando-se ao lado deles na luta pela justiça social. Comblin destaca que um povo é formado por seres humanos que se sentem solidários, enquanto aqueles que não são do povo são os que não se solidarizam, mas, pelo contrário, dominam, exploram, ficam indiferentes às necessidades dos outros e governam para a sua própria utilidade, sem levar em conta o bem comum.
O conceito de "Povo de Deus" ganhou destaque durante o Concílio Vaticano II (1962-1965), sendo uma das principais inovações teológicas desse importante evento da Igreja Católica Romana. Nos Documentos Conciliares, o termo "Povo de Deus" refere-se à comunidade cristã como um todo, incluindo todos os batizados, e não apenas a hierarquia clerical e os membros consagrados da Igreja.
Essa perspectiva enfatiza a importância da participação ativa e colaboração de todos os fiéis na vida da Igreja e na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, superando barreiras de classe, raça, gênero e outras formas de discriminação, promovendo a igualdade e a dignidade de todos os cristãos.
Comblin também destaca a importância da espiritualidade do Povo de Deus, que é uma espiritualidade encarnada, enraizada na vida e nas lutas do povo. Essa espiritualidade não se limita à dimensão individual, mas abrange também a dimensão comunitária e social, buscando a transformação das estruturas injustas e a construção de uma sociedade mais fraterna.
A concepção de Povo de Deus baseia-se na colaboração entre pessoas livres, iguais e fraternas, comprometidas com o bem comum e com a transformação das estruturas injustas. Nesse sentido, o Povo de Deus é um chamado à ação e ao compromisso com os mais vulneráveis e marginalizados, em busca de um mundo mais justo e solidário. Cada membro desse povo é convocado a exercer sua cidadania de forma ativa e engajada, participando dos processos políticos e sociais que moldam a sociedade.
Nesse sentido, a ideia de Povo de Deus desafia a noção de uma cidadania passiva, em que os indivíduos se limitam a votar periodicamente e a delegar a responsabilidade pela condução da sociedade aos representantes eleitos. Em vez disso, o Povo de Deus é chamado a ser protagonista na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, assumindo um papel ativo na luta contra as desigualdades, a discriminação e a opressão.
Essa visão da cidadania ativa e engajada também implica uma compreensão mais ampla da política, que não se restringe apenas às instituições formais do Estado, mas abrange todas as esferas da vida social em que as relações de poder se manifestam.
Assim, o Povo de Deus é chamado a atuar não apenas na política partidária e eleitoral, mas também nos movimentos sociais, nas organizações da sociedade civil, nas comunidades locais e em todos os espaços onde a luta por justiça e solidariedade se faz necessária.
Outro aspecto importante da relação entre o Povo de Deus e a sociedade democrática é a questão da diversidade e do pluralismo. Em uma sociedade cada vez mais diversa e plural, marcada por diferentes culturas, religiões, visões de mundo e modos de vida, o Povo de Deus é chamado a ser um sinal de unidade na diversidade, promovendo o diálogo, o respeito e a convivência pacífica entre todos os grupos sociais.
Por fim, é importante destacar que a concepção de Povo de Deus não se limita apenas à dimensão política e social da vida humana, mas abrange também a dimensão espiritual e religiosa. Para Comblin, a espiritualidade do Povo de Deus é uma espiritualidade encarnada, que se alimenta da vida e das lutas do povo, e que busca a transformação das estruturas injustas e a construção de uma sociedade mais fraterna.
Nesse sentido, a fé e a espiritualidade não são vistas como uma dimensão separada da vida social e política, mas como uma força transformadora que impulsiona o Povo de Deus a se comprometer com a justiça e a solidariedade. A espiritualidade do Povo de Deus é, portanto, uma espiritualidade engajada, que se traduz em ações concretas de amor e serviço ao próximo, especialmente aos mais pobres e marginalizados.