Há quem diga que escrever poesia é um ato de rebeldia, pois vai de encontro, entre outros aspectos, ao senso comum de buscar utilidade em todas as coisas. Pode até não servir pra nada, mas que faz um bem danado aos que costumam saboreá-la, ninguém duvida. Sem falar, ainda, que implica, da parte do autor, o mais visceral compromisso com o sentimento de liberdade.
Talvez alguém indague sobre a razão desse preâmbulo meio torto, mas ele surgiu, acredite ou não, quando li Ontologia do ser, obra de estreia do J. L. Rocha do Nascimento no gênero poético. E a impressão que deixou, confesso, foi das melhores. A começar pela delicadeza do formato, tipo livro de bolso, contendo orelhas e uma boa diagramação. Depois, pela quantidade de textos, 40 ao todo, entre curtos e longos, que lemos de uma degustada só.
Quanto à temática, o livro é perpassado, como o próprio título sugere, pelo questionamento do existir e seus inevitáveis dilemas: vida, mundo, angústia, alegria, sofrimento, amor, infância, memória e incertezas. Nos versos de “Descrição”, poema 18, a esfinge (leia-se o autor) não receia apresentar-se aos leitores: “Este sou eu/ E caibo no poema/ Que tem a exata medida do meu ser”.
O tempo e suas dimensões é outro assunto, dado o caráter da obra, bastante explorado nos textos, inclusive com o autor recorrendo a filósofos e pensadores que trataram de matéria tão complexa – a do deus Chronos. Heráclito e Parmênides, por exemplo, são citados frequentemente. Para J. L. Rocha, o ser-no-mundo só faz sentido quando entrelaçado pela memória e com um projeto existencial definido.
“Manifesto” é o texto que abre o instigante livro de 99 páginas, lançado pela Penalux, editora paulista, no final de 2024. A escolha não foi à toa, como deve imaginar o leitor desatento, mas o resgate de uma luta política, reafirmada 40 anos depois, em defesa da liberdade e da democracia ameaçadas pelos saudosos da ditadura civil-militar – “precisamos libertar nossas ruas/ das marcas violentas/ dos pesados coturnos”.
As marcas da sua contística, que o tornam escritor dos mais importantes da literatura piauiense, são claramente perceptíveis em Ontologia do ser. Entre elas, destacam-se a preocupação estética, o cuidado no tratamento dado à linguagem, o diálogo com os textos clássicos e, sobretudo, a problematização dos conflitos existenciais. Daí a explicação para o rebelde escritor oeirense, J. L. Rocha do Nascimento, abrir o livro, sem medo de desnudar-se, com “Eu e os vários de mim”, poema que nos desafia a conhecê-lo – caso seja possível – nas suas múltiplas facetas.
Foi o que fiz e que espero, sinceramente, que todos os amantes da boa poesia o façam também.