Proa & Prosa

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Rita, filha dos buritis doces

Justamente pela proximidade, afinidades e fluxos com a literária Caxias, na época do nascimento dela

Fonseca Neto

Segunda - 17/07/2023 às 12:54



Foto: Divulgação Buriti Bravo
Buriti Bravo

Nos pagos sertanejos que governam minha memória há uma constelação estelar que não sucumbirá em camadas de esquecimento: Rita de Cássia Ayres Coimbra, uma cidadã acatada e generosa.

Rita de Cássia Aires Coimbra, uma sertaneja irradiando as auras salutares no sertão dos cocais. Sim, o buriti é um coquilho. Diga-se mais: filha de Buriti Bravo, nascida em Caxias, em 4 de junho de 1923. Buriti Bravo uma povoação gestada no útero do município histórico da Passagem Franca, a partir de 1886 integrada à nova municipalidade dos Picos, no alto Itapecuru. Um recôndito aprazível da geografia de sua/nossa cidade quase comum...

Rita, filha de Joaquim Vicente Aires e Alieth Cunha Aires, viveu seus anos verdes morando entre Caxias e o sítio São João, de seus pais, nas Laranjeiras, no arredor e fazenda geminada do Buriti Bravo. Aliás, lugar que levou para a municipalidade esse topônimo bonito e adjetivado com o arcaico “bravo” ou “brabo”, mais tarde poética e teluricamente chamada de “nesga de sertão” pelo notável intelectual e sacerdote padre Astolfo Serra.

Os pais e a parentela local de Rita eram proeminentes mestres dos cultivares da terra e fecundos lavradores das letras, destacados no referido município da Passagem Franca oitocentista. Ela nasceu já no século XX, nessa ambiência auspiciosa, casando-se mais tarde com o conterrâneo Bento Coimbra. Na época do seu nascimento, os lugares do Buriti Bravo e das Laranjeiras constituíam micro centros culturais letrados, todavia num meio ainda marcado por sinais de exclusões.

Justamente pela proximidade, afinidades e fluxos com a literária Caxias, na época do nascimento dela, BB ainda chão eclesiástico de São Sebastião da Passagem, por ali circulavam mais intensamente livros e jornais, daí que Rita alcançará a educação letrada e se distinguirá de muitas mulheres de seu tempo. Os Aires de Rita são gente proeminente na vida daqueles sertões. Além do pai, Joaquim, João Vicente e Cândido, um pouco mais tarde, Félix, orgulham a “nesga” com seu protagonismo ilustrado. 

Conheci pessoalmente Rita em 1972, já então notária titular no Cartório Único de Buriti Bravo. Conto essa história com prazer. Em Teresina eu presidia o Grêmio estudantil “Juventude Progressista”, na instituição escolar publica, um anexo do Liceu Piauiense. A seleção de Futsal de nossa escola ostentava, então, o título de campeã, à época. Fomos convidados para um jogo com a seleção de Passagem Franca, dia 22 de abril, inauguração da Quadra do “Estado  do Paraná”, também aniversário do Ginásio Bandeirante. Na ida, dia 21, nossa caravana deu uma volta pela praça central de Buriti Bravo e, como chovia muito, paramos para indagar se o riacho Balseiros estava dando passagem – viajávamos em Rural Willys, duas. E a parada foi em frente da casa de Rita e Bento. Foi uma festa: estava anoitecendo e ela providenciou um bom lanche para todos. Melhor: convidou-nos a, na volta, almoçar ou jantar com ela. Dissemos que jantaríamos, dia 23.

De fato, depois da grande partida, vencida, aliás, pelo time anfitrião, e das agradáveis jornadas etílicas passagenses, voltamos para Teresina, antes, lógico, demorando para jantar com Rita Coimbra, em sua casa. Éramos 12 estudantes e dois chaufeur. E o jantar?

Um capítulo bonito em nossas vidas e juventude. Todos muito à vontade, de bermudas e calções. Rita disse: tomem conta da casa! Cervejinha gelada e licores, lembro bem. Antes, uma “hora de arte” improvisada, os apresentadores falando junto ao peitoril amplo do avarandado. Todos teriam de dizer/recitar alguma coisa. Antilhon Ribeiro recitou Gonçalves Dias; Josemar... Com Eneas Barros foi mais cômico: viu uma menina muito bonita, chamada Sônia, acho que parenta do casal Bento e Rita, e fez a seu modo uma resenha do filme, então famoso, “Soninha Toda Pura”. Quase exagera na cantada e cria um embaraço. Insistiu ela para seguirmos viagem apenas no dia seguinte. Resolvemos seguir, e perto do Corrente, uma Rural pifou. E voltamos alguns ao BB e ela providenciou aconchego e o reparo e seguimos de manhã cedo, após o café. A rodovia Caxias-BB estava em obras.

Dez anos depois – prefeita, 1982 – voltei a estar com ela, por ocasião da sessão do Tribunal do Juri que julgou o comerciante Jaldo. Rita estava sentada à primeira filha, no Clube: grande honra para mim. Fiz a sustentação oral de defesa e o Juri o absolveu. Disse ela que queria muito conversar comigo. Marcamos um encontro em Teresina – que acabou não acontecendo. Infelizmente.  

Agora me encontro com a filha de Joaquim nessas lembranças necessárias. Salve! 

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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