“Como os livros de história no futuro irão se referir a esse homem tão pequeno? Terá alguma importância, o seu nome, ou irão se interessar apenas pelo surto coletivo que se apossou de milhões de brasileiros, por meia década ao menos, e que resultou na eleição de um ninguém, um nada, um palhaço macabro? Um fantasma descarnado, insepulto e obcecado pela morte, sua especialidade, no qual milhões projetaram suas próprias fantasias autoritárias. Como? Por quê?”
O jornalista e professor Renato Essenfelder, no Estadão, numa beleza de audaz provocação, mexe com historiadores... Impõe e ajuda-nos a pensar.
No plano político federal o fim de 2022 não simboliza somente o encerramento do ano em que se caricaturou a lembrança bicentenária do episódio de 7 de setembro de 1822. Também marca o fim formal do iníquo tempo de mando da inominável figura levada à cabeça da República pela trama do golpe de 2016.
Logo se diga, por dever: a posse de uma presidência legítima, neste 1º de janeiro de 2023, por si, é um alento, sim, mas apenas indiciária de mudanças urgentes na política e na construção democrática. E não é ocasião para ilusões. É momento para se tomar posição clara de repulsa às tentativas de incrementar a reimplantação plena da ditadura militar.
A transição ora em curso lembra o tempo em que o golpismo militar levou à morte de Vargas e intentou impedir a posse de JK, derrubando Jango, depois. Golpismo militar, diga-se logo também, que é o modo de operar da extrema-direita brasileira. O próprio golpe de 2016, recorde-se – suas lembranças são quentes –, armação politicamente vergonhosa, da força bruta do poder armado, combinada com a máquina judiciária, de conteúdo e forma antipovo.
Este 31 de dezembro chegante marca um revés na sanha golpista dos “vitoriosos” de 16. Ao fim e ao cabo desse período, desses “vitoriosos”, a rigor, uma diversidade de criminosos e traidores da pátria, inimigos da democracia, cupins da República, agora, acampados em frente de quarteis das forças armadas exigindo mais golpe. “Vitoriosos” que partem para o terrorismo, conforme os Inquéritos em curso conduzidos pelo restante da força policial e da magistratura federal que não abraçaram o golpe, de todo, e contribuem para sustentar o novo mandato presidencial.
Tal indaga Essenfelder à consciência coletiva: por que isso? A história e a historiografia explicam tudo. No caso da historiografia, a tudo expõe. Mas atenção! A construção historiográfica é também a oficina de se produzir seletivamente o esquecimentos, em geral, para realçar e fixar a lembrança-domínio das classes que promovem o alijamento de milhões e que também produzem outras exclusões no rolar da vida social.
Por que um “fantasma descarnado, insepulto e obcecado pela morte, sua especialidade”, galga mentes e corpos...? É exatamente por ser essa mais que figuração do malvado obsessivo, que sabe escalar ódio e violência, física e ideológica. Que resgata e atualiza o Brasil da colonização continuada e das escravidões e pilhagens criminosas das potências da natureza e da energia humana de sua gente trabalhadora.
Essa caldo de cultura de ódio e particularismos, produziu uma elite local brasileira, que, fazendo-se expressão de maioria, massacra os conterrâneos e ama subalternamente as estruturas da referida pilhagem do Brasil, dessa forma voluntariamente submisso aos acumuladores do K central e reais donos do mundo.
Diante dessa evidência, muito mais que simbólica e caricata, reconforta politicamente, sem nenhum ódio reverso, ver a fuga do covardana fugindo do Brasil em busca de refúgio no covil trumpiano da extrema direita mundial.
Vai-te, homúnculo. Pode-se ser que os patriotários dos terreiros de quarteis sejam tocados por algum engajamento com a paz e não com terror e ditadura militar.