Notável estudioso da opção do Brasil pelo atraso, Darcy Ribeiro constatou, afirmou e denunciou que o “fracasso” da Educação é um projeto da elite brasileira para conservar o País na rabeira do mundo.
Acrescento que essa é a obra mais célebre da elite brasileira literalmente colonizadora. Para ela, Educação é um bem valioso para si. Não para as maiorias trabalhadoras cuja exclusão dos bens civilizatórios é a dita obra maior desse elitismo insuportavelmente dominador/escravista, violento.
A história da Educação tem no Brasil, na contracorrente do atraso elitista, diversos exemplos e tentativas de transformar este país num lugar melhor para milhões de seus filhos. Melhor no sentido cultural, propriamente, e quanto às condições de viver condignamente, sem o flagelo da miséria material.
Na referida contracorrente, destaco o exemplo de Raimunda Nonata da Silva Oliveira. notável mestra brasileira, incansável lutadora pela Educação que efetivamente transforme vidas. O exemplo vem de Colinas, uma cidade recôndita do Maranhão sertanejo, que ambientou uma extraordinária experiência de Educação comunitária na década de 1960. Nonata acaba de colocar em livro, comovente e veraz, um registro necessário de sua vida e labor exemplares: Sempre é Tempo de Aprender, São Luís, 2021, 108 páginas. Edificantes capítulos.
Nonata, filha das ruralidades: trata da ambiência de seu nascimento, num lugar chamado Sítio Seco; berço sem-terra para os trabalhadores da terra; perfila vovó Virgínia, e mamãe Martinha, mulheres fantásticas que abominaram a servidão voluntária; não esperaram ser esmagadas pelo Brasil latifundiário indigno.
Nonata, a potência da Educação para a Liberdade: adolescente, empírica, ela deixa a roça e as injunções de agregada para inserir-se nos saberes da vida urbana; uma quase-criança ensinando crianças; nasce uma educadora filha da experiência; nela, teorias confirmam o que já aprendera.
Nonata, parteira: educadora que se tornou também parteira. Parteira: haveria arte mais necessária na mediação entre prazer e dor e entre dor e deslumbramento na travessia das gerações? A moça do Sítio Seco vai se tornando qual um anjo das Colinas; escuta o primeiro brado de centenas de colineiros.
Nonata, base do cristianismo do amor ancestral: no Sítio, e mais ainda na cidade, ela entende o que é a beleza do arranjo amorável de Jesus, do pai de Jesus, o operário José, o amor maior. Soube o que é vida comunitária cristã antes de conhecer a igreja-entidade. Não foi difícil aconchegar-se da Mãe Consola Matriz, tornando-se uma de suas maiores servidoras.
Nonata, pilar da colunata cinecista: numa paróquia rebrotando para a Igreja de João XXIII, ela, já feita uma “mãe e mestra” no chão social e real brasílico, mebiana, compreende a institucionalidade escolar brasileira e engaja-se num criativo esforço por sua reforma. Em Colinas, com um pároco sonhador, enfrenta estruturas de atraso, intenta mudar sua póvoa.
Nonata, a cientista: a mestra iluminada pela experiência da vida comum faz do método científico da observação um aliado da função educativa de seu tirocínio. E aqui deponho sobre minha própria história: nenhuma aula que assisti na vida inteira me impactou, quanto uma aula de Ciências, com Nonata – numa comum manhã colinense, mostrou, experienciando, uma reação química.
Nonata, na Ilha ludovica: educadora de escol. Humano-cientista essencial. A capital a convocou: estrela na Seduma; um brilho intenso na vetusta TVE; novas experiências e títulos só lhe agigantaram a consciência de si e dos que sofrem. Figura notável de educadora que a Firmina dos Reis do Maranhão oitocentista gostaria de ser madrinha...
Nonata, da rua do Cotovelo à Cohama: para ela, Deus é o pai sem cor e justo. Aprendeu isso no Sítio Seco, no “colo da mãe e nos joelhos do pai, Norberto. Seu coração não deixou de pulsar ao Lindô dos batuques da Rua do Cotovelo, “mal vistos”. Na Cohama, igreja, integra os Agentes de Pastoral Negros do Brasil.
Nonata, altiva, autêntica: de branco, rumo à Serrinha, ao batuque da “feira”, e da sintonia ancestral, nos 13 de maio. Com Estela Rosa, Das Virgens... Como não ter aprendido suas lições de vida e humanidade.
Valeu fazer o livro, Nonata. Nossos corpos e mentes são páginas dele. Quanta honra!