Tive a satisfação de visitar, nestes dias, a professora e advogada Iracema dos Santos Rocha e Silva. Vive uma espécie de “retiro” sereno em sua bonita e agradável morada. Como é agradável e necessário conversar com ela, ouvir suas palavras, sentir o vibrar de sua fala.
Quem é Iracema? Trata-se de pergunta cuja resposta deve ser dada pensando na juventude destes dias, que assiste a outra escalada golpista no Brasil e às vezes dá a impressão de que isso não lhe diz respeito.
Iracema é uma militante política dos anos de 1960, protagonista-mulher de relevante papel na luta popular e política, em Teresina, nas hostes do Trabalhismo – ativista da Liga Trabalhista. Profissional com atuação marcante na Imprensa escrita, também liderando programas de muita audiência na Rádio Difusora. Nas eleições municipais de 1962, foi a segunda mais votada para prefeita da Capital. Professora pública, titular-catedrática da Escola Normal Antonino Freire, e do Liceu. Mais tarde, da Ufpi – instada por D. Avelar Brandão Vilela.
Nesses tempos duros, por demonstrar crença na democracia e clamar por justiça, foi, por duas vezes, aprisionada politicamente pelos fardados. A primeira, por agentes da Polícia Militar. A segunda, pelo Exército, que a levou exposta pela cidade e encarcerou em seu Quartel. É a parte mais acesa que sua memória. Recorda: “presa no dia das mães”, com seus filhos pequenos. Lembra bem o que diziam, milicos e seus aliados-cúmplices na vida civil, a propósito de seu engajamento político: “Iracema, sai disso – da política – e vá cuidar de seus filhos”. Lembrando esse detalhe com insistência, ela quer dizer que a repressão tinha a ver com sua condição de mulher e militante com posições próprias, e de inconformação política.
Imaginem que recebeu ela, em Teresina, pela referida Liga, duas outras figuras cuja voz ressoava, naquele tempo, nos espíritos do atraso, como flecha de fogo: o general “vermelho” Nelson Werneck Sodré, e Edna Lott, filha do marechal Henrique Lott, oficial militar e democrata convicto, figura central da política, candidato presidencial em 1960. Na Teresina dos Anos 60, Iracema teria ido longe demais.
Por essa militância é, então, perseguida pela política tradicional e conservadora. Dissolvidos pelos golpistas os arranjos partidários vigentes, em 65, ela se aconchegaria no MDB, lugar que restou a oposicionistas remanescentes e que o regime tosco passou a entender que não lhes daria tanto trabalho.
A partir da segunda metade dos anos 70, Iracema se retira da militância direta, advoga, exerce o magistério. E escreve em folhas de Imprensa. Não faz muito tempo que deixou de fazer sua famosa coluna “Agenda Nobre” em jornal local.
No Brasil, muitos estudos sérios, demonstram que a ditadura militar imposta com o golpe de 1964 é um acontecimento inscrito entre as mais graves perversões de violência política e esmagamento de instituições intencionadas de democracia.
O golpe suprimiu a Constituição de 1946, abolindo direitos individuais garantidos, inclusive o de votar livremente em eleições não manipuladas pelo regime golpista. O golpe foi ajudado por exemplo, pela cumplicidade do Congresso e do STF – somente três ministros esboçaram algum tipo de reação.
Carimbavam de “comunistas” e “inimigos da pátria amada” todo brasileiro que não aceitava o regime fardado. Regime golpista que se impôs com a mão no gatilho, sobretudo perante as pessoas aparentemente indefesas. Humilhando pessoas como “criminosas”, pelas ruas, em cima de veículos militares.
A vida de Iracema tem lances significativos que revelam sua firmeza. Conta, com graça e tom de denúncia, que nasceu em Floriano, filha de Moysés dos Santos, padre, vigário de Jerumenha e de Floriano. Por essa condição, diz que cresceu sendo “discriminada por ser filha de padre”. Um sacerdote que por isso foi severamente punido, depois reabilitado pela Sé romana. Faz questão de ressaltar que também “por ser filha de padre”, quando a registraram civilmente, deixaram de colocar o “dos” Santos em seu nome. Como adulta e já advogada – e busca de justa afirmação –, requereu acrescentar o “dos” sonegado, passando a ser Iracema dos Santos Rocha e Silva.
Bons exemplos de Iracema devem orgulhar/animar a todos que ainda lutam – causa justa – contra o machismo e as ditaduras