O novo governo federal impediu que a caserna celebrasse mais uma vez, com estardalhaço, o golpe e a ditadura impostos ao Brasil em março/abril de 1964.
Mandou bem o governo e respeitou um sentimento manifesto na escolha presidencial de outubro e no rechaço ao bolsomoro golpe do último 8 de janeiro, abortado em sua dimensão mais escrachada. Golpistas acamparam junto aos quarteis militares e lugar da partida para o assalto ao poder em Brasília.
Uma questão que poucos sabem, e sabem pouco: no Brasil, nacionalista é havido e punido como inimigo da nação. Brasileiro de verdade é aquele que quer o Brasil subordinado ao Império euro-americano. Assim pensam e agem os quarteis.
É historicamente marcante no Brasil a opção militar por ditadura e por formas de autoritarismo em geral. Não está na raiz da chamada brasilidade a prática da democracia, e nisso, o aparato militar é uma garantia e defesa da persistência da conservação que mantém o País amarrado a grave estado de desigualdade social. O País tem uma casta de donos desde a guerra da colonização, indicativo dessa desigualdade e injustiça e que impede avanços democráticos.
Nem a democracia liberal configurada desde o século XIX, no que suscitava de mais avançado, foi possível passar de arcabouço aqui na América portuguesa. Na América inglesa, a república presidencial assegurou, p. exemplo, ganhos de direitos civis e liberdade para jogar a vida econômica. Na América espanhola, pactuou-se uma emancipação política sob o simbolismo, além do nome, de República. Na realidade, projetos não completados por faltar-lhes bases sociais garantidoras.
O Brasil tem os pés amarrados lá na sociedade colonial-escravista e não consegue avançar. O braço armado do rei e do Estado é que assegura essa persistência de vil arcaísmo cultural e político do elitismo brasileiro – inimigo declarado de mudanças sociais substantivas. No Brasil atual, sócio inconteste do atraso, o Exército é o núcleo armado que sufoca as brisas da Liberdade e os viços do ideal de Liberdade e Justiça essenciais ao fluir da prática democrática.
Em contraponto, tomando o pulso do processo histórico, e constatando-se a persistência e reiteração do atraso brasileiro, logo se ver que as jornadas sociais lutadoras de todos os tempos não foram capazes de produzir a fricção de mudanças necessárias à maioria da população.
Desde 1889, examinada rigorosamente, a presença militar na cabeça das estruturas de governo não autoriza afirmar que tenha sido positivamente decisiva para alterar o sentido da democracia no Brasil, comprometida com as linhas longas do atraso herdado da colonização.
É tarefa impossível localizar no tempo da formação brasileira um episódio que identifique a força armada com a prática da Liberdade e da democracia. Apoiou o absolutismo dos reis, parte das estruturas senhoriais e da servidão. Nos idos de 1815 a 1824, entre o pai e o filho, reis, não foi difícil ficar do lado dos senhores abrasileirados, assim, do lado dos reis-imperadores, Pedrão e Pedrinho. Foi a força aniquiladora, inclemente, de todas as mobilizações em que “gritou a Liberdade no Brasil”. Beckman? Zumbi? Joaquim? Lucas? Caneca? Bento?
Militares gritaram a Independência? Que independência? Em sã consciência, quando o Brasil ficou independente, de fato? Das mãos de Portugal passou às mãos dos ingleses, e destes, à dependência voluntária ao “mui irmão” do norte continental.
O Paraguai? Por que o Brasil nunca admitiu pesquisas sérias sobre essa guerra em seus documentos?
Aparentemente não ocorreram celebrações militares do golpe e da ditadura de 1964 no último dia 31. E vários que tentaram repetir o golpe, dia 8 de janeiro, estão na cadeia por crime contra a Nação.
Outro sinal de mudança? Seja. Mas deixar de ser dependente voluntário, de ser colonizado cultural voluntário, de ser vira-lata por cálculo ou ignorância... Aí é preciso avancemos além de palavras.