Vi pichada num muro de Teresina, por estes dias, esta sentença: “eleições: se adiantassem, seriam proibidas”.
Dura provocação. E dificilmente pichação é obra de uma mente sozinha, um devaneio qualquer. Trata-se de dura provocação no debate da vida social. Desconcerta ingênuos e sabidos.
Mas a frase revela uma verdade ou resvala num equívoco abissal? Proponho talvez piorar as coisas...
Para começar diga-se que, historicamente, eleições mais enganam sobre o adiantamento de mudanças reais na vida social que o contrário disso. Há condicionalidades que preponderam sobre os processos eleitorais, nos vários modos de se fazer eleições ao longo da história humana conhecida. Eleição é mobilização de meios para tentar sanar, enquadrando, diferenças de rumos, excludentes, em busca da transformação social.
As forças que podem acelerar o processo de mudança substantiva, operam acima ou a despeito desse meio – as eleições –, que deve ocorrer de maneira tal, que seus resultados não ameacem o projeto real de poder das referidas forças – no fim e ao cabo, que movem o destino histórico da aldeia ecohumana.
Quais? A força bruta, direta, material, que elimina o diferente, que atrasa; a força que, pelo rebrotar e incandescer a consciência contra as opressões, turbina a energia humana, acelera, revoluciona os giros do corpo social.
E eleições na experiência brasileira? Com uma classe de dominadores altamente estruturada e ciosa da conservação de seu poder opressor, de sua força brutal, aqui mesmo é que eleições adiantam pouco. Eleições são a mais refinada moageira de esperançosos cívicos, ingênuos. Alguns somos mais severos: de idiotizados, de midiotizados. Tenho por espirituoso o rompante de Aristides Lobo ao comtemplar a marcha cavalariça dos “repúblicos” em 89: “o povo assistiu àquilo bestializado [...], sem conhecer o que estava acontecendo ”. Assim 1789, 1889, 1989.
A desigualdade social brasileira é obra inamovível em cinco séculos – e se faz eleições desde 1532; a escravidão e as escravidões jamais foram arranhadas em seu horror porque há ou porque se faça eleições; leis sob a égide, e a ética da justiça distributiva, nada disso no Brasil se resolveu ou não resolve porque se fez ou faz eleições.
Para que no Brasil existisse uma lei de proteção dos direitos do povo trabalhador, foi preciso que se fossem dissolvidas todos as formas possíveis de mandatários políticos. É muito eloquente, e sintomático, e quase ninguém fala sobre esta verdade: para que o Brasil adotasse em seu sistema jurídico, o mínimo de direitos para trabalhador, foi preciso dissolver, nos anos 30, o mandato de todos os eleitos e proibir eleições de vereador a presidente.
O que se convencionou chamar de “viradas” históricas, relevantes, não se as conhece no Brasil por processos eleitorais. Ao contrário: golpes preventivos dos donos do poder para evitar eleições e golpes para anular resultados delas, mais ou menos imprevistos, são a prática por aqui há 490 anos.
O atraso brasileiro não é falta de eleições. É déficit civilizatório grave, gerado pela violência da desigualdade, em tudo. Sonegação dos mínimos de liberdade realmente sustentável, além da retórica. Ambiência social, assim, não há como se falar em mudar qualitativamente a realidade por eleições.
Que fazer? Descartemos eleições? Não. É preciso manter as eleições, sabendo que somente elas não resolvem as imensas desigualdades e o estado de injustiça. O não ao atraso e suas misérias, manifestado nas barricadas de rua, tensionando leis feitas pelos “eleitos”, tem mais força para mudar que eleições com aparência de legítimas.
O combate aos donos do poder e sua prática do crime continuado de manter o povo trabalhador excluído de tudo – mas boiada no mercado eleitoral – é tarefa suprema de cada um, feito coletividade tomando a História nas próprias mãos.