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Tábata, Velez e Mozart: educação, politicas públicas e disputa democrática

Sexta - 05/04/2019 às 05:04



Foto: Congresso em Foco Tabata x Velez
Tabata x Velez

Não conheço pessoalmente a Deputada Federal Tábata Amaral (PDT/SP), também não conheço o ministro da Educação Ricardo Velez; sou amigo do Mozart Ramos (e logo veremos porque ele entra nessa estória).

Mas esse artigo não é de biografias. É sobre convivência política democrática, políticas públicas, no caso políticas educacionais e, “pra variar”, redes sociais.

Viralizou o vídeo da fala da deputada Tábata Amaral na reunião da Comissão de Educação da Câmara Federal, em que o ministro Ricardo Velez foi ouvido. Vi o vídeo, li comentários no zapp e no facebook e participei de conversas com várias pessoas da área da educação e/ou de militantes de esquerda. Todo mundo, “em princípio ou de início”, gostou do que ela falou. Não só pelo questionamento de um ministro de Bolsonaro meio perdido ou perdido e meio; mas, pela forma de sua argumentação.

Depois vieram os “poréns”. Tábata é do PDT; tá fazendo o jogo do Ciro Gomes. Tábata fez curso e teve bolsa de entidades criadas por empresários (RenovaBR e outras) que se propõem a “formar políticos de novo tipo”; recebeu apoio desses empresários na sua campanha. Defende uma visão liberal (neo?), ou mesmo os interesses de quem a apoiou. E mais: acha que a Lava Jato faz um bom trabalho, apesar dos exageros e que a prisão de Lula é justificada. Nesse último ponto, eu também discordo dela.

Mas, tem muito mais coisas envolvidas nesse debate e é bom percebê-las. O ambiente de polarização ainda forte na disputa política não ajuda, tenta enquadrar tudo numa visão que beira o maniqueísmo (o Bem contra o Mal). Ora, a convivência democrática incorpora a divergência, a disputa e o diálogo; políticas públicas de estado e mesmo de governo precisam desse ambiente democrático.

A educação brasileira, que vem passando por transformações importantes desde 1996 (LDB) e 1997 (FUNDEF), está correndo o risco de um “desmanche” administrativo, político e ideológico que tem graves consequências para o futuro do país. Somar forças diversas - com suas áreas de consenso e de divergência - é fundamental.

Do que tenho acompanhado pela imprensa, as iniciativas desse grupo de empresários de “formar quadros com práticas diferentes” não pode ser reduzida ao “apoio a políticos que vão simplesmente defender seus interesses”. Segundo o jornal Valor Econômico, de cerca de 400 bolsistas 120 foram candidatos por partidos diferentes (PSB, PDT, PSDB, DEM, NOVO, PMDB e PP) e 17 foram eleitos deputados federais. Não houve candidatos pelo PT, PSOL e PCdo B, nem pelo PSL.

É verdade que é privilegiada a visão liberal da política, mas há gradações socialdemocratizantes entre os cursistas e eleitos. O foco comum é a mudança do comportamento clientelista e fisiológico - o que é uma bandeira também da esquerda! Pelo que já li antes sobre a Tábata (e ouvi inclusive um discurso dela num evento nos Estados Unidos), ela se define como “ativista da educação”, ou seja, faz um trabalho concreto de apoio a iniciativas voltadas para educação pública na periferia.

E aqui entra o Mozart Neves Ramos, que foi cotado, convidado e desconvidado para ser ministro da Educação no governo Bolsonaro. O Mozart, professor e cientista da UFPE, da área de ciências da natureza (química), foi reitor eleito da UFPE, presidente da ANDIFES e Secretário de Educação de Pernambuco. Convivi com ele no CONSED (Conselho Nacional dos Secretários de Educação); foi nosso presidente. Veio duas vezes ao Piauí quando eu era secretário para palestras e discussão de programas. Depois foi membro do Conselho Nacional de Educação e há algum tempo é um dos dirigentes do movimento Todos pela Educação.

Minha experiência no CONSED foi riquíssima, do ponto de vista da gestão pública e da convivência democrática. Debates homéricos e de muito bom nível, às vezes com ironias mas sem perder a cordialidade. Lembro de memória de mais de dez secretários e secretárias que alimentavam esse debate: Maria (do Acre, do PT), Rosa (do Pará, do PSDB), Sofia Lerche (do Ceará, dum governo do PSDB), Mozart (de Pernambuco, dum governo do PFL), Anaci (da Bahia, do PFL-DEM), Vanessa (de Minas Gerais, do PSDB), Maurício Requião (do Paraná, do PMDB, Chalita (de São Paulo, à época no PSDB, depois PMDB), Dorinha (do Tocantins, ligada ao PFL, pelo qual é deputada federal hoje; foi nossa presidente também). Em São Paulo, o Chalita foi substituído pela Maria Helena (do PSDB, à direita e sempre “posuda”, difícil no diálogo; foi secretária geral do MEC no governo Temer). O debate interno se completava com uma boa interlocução com o MEC, na gestão de Fernando Haddad.

Esse é o ponto. Soubemos conviver na diversidade intelectual, ideológica, politica, partidária. Construímos consensos na defesa da escola pública, da democratização do acesso, do esforço pela qualidade (reconhecida como precária por todos nós), da educação inclusiva, de ampliação dos recursos da educação. Daí nasceu o FUNDEB, beneficiando o ensino médio, a educação infantil e EJA, o fortalecimento da educação profissional, o piso salarial dos professores, o IDEB, O PNE – Plano Nacional de Educação, o PAR – Plano de Ações Articuladas entre MEC-Estados-Municípios.

O Mozart Ramos desempenhou um papel importante no CONSED e depois junto às Fundações empresariais. Foi superada a visão filantrópica de apoiar “pequenos projetos em convênio com as escolas” e a visão meramente gerencial de “copiar métodos de gestão das empresas privadas”. As iniciativas se voltaram para o apoio à escola pública, sobretudo nas áreas mais vulneráveis, focadas na melhoria da qualidade e em sintonia com os programas desenvolvidos pelo MEC e pelas secretarias estaduais e municipais. O Todos pela Educação é a maior expressão dessa guinada. Também fazem um trabalho interessante o Instituto Airton Sena (dirigido por Viviane Sena, que apoiou o Bolsonaro e teve a ilusão de que ele aceitaria o Mozart como ministro da educação) e o CENPEC (liderado por Maria Alice Setúbal, que apoia a Marina).

Esses setores têm uma posição crítica em relação ao fundamentalismo religioso-ideológico e ao desgoverno que se tenta implantar no MEC. Somos aliados potenciais. Não conheço a deputada Tábata suficientemente, mas a vejo situada nesse campo.

A democracia ameaçada clama por alianças mais amplas, alianças programáticas – a Acho que a deputada Tábata se situa nesse campo da “Frente pela Universalização da Educação Pública de Qualidade

“Frente pela Universalização da Educação Pública de Qualidade”.

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Antônio José Medeiros

Antônio José Medeiros

É sociólogo, professor aposentado da UFPI. Licenciado em Filosofia pela UFPI e Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP. Foi professor em escolas estaduais de nível médio do Piauí, em 1968 e 1971 e na UERJ e Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, em 1973 e 1974. Trabalhou como técnico sênior na CEPRO/SEPLAN-PI e coordenou o Setor de Educação do Polonordeste na SEDUC-PI, de 1978 a 1980. Professor concursado da UFPI, onde trabalhou de 1981 a 2007.
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