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PT 40 anos: O brilho da estrela e as impurezas do vermelho

Tem muita coisa para narrar, para avaliar, sobre as quais meditar

Antônio José Medeiros

Quarta - 12/02/2020 às 13:36



Foto: Caio Bruno/Alepi Ex-deputado federal Antonio José Medeiros
Ex-deputado federal Antonio José Medeiros

Exatamente hoje, completam-se os 40 anos de fundação do PT. Eu e o Gaudêncio Leal, então militante do Movimento contra a Carestia no Parque Piauí e atualmente morando em Fortaleza onde foi advogado da Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese, fomos os representantes do Piauí, no Encontro realizado no Colégio Sion, em São Paulo. Fomos escolhidos numa “plenária” de cerca de 30 pessoas, realizada no Centro Social do Parque Piauí, que quase provocou a demissão da coordenadora Auri Lessa, não fosse a lúcida intervenção de dona Myriam Portela.

Há uns cinco anos, estou tentando escrever o livro “O Brilho da Estrela e as Impurezas o Vermelho”, que resgate a experiência de organização do PT no Piauí e sua evolução até hoje, com seus atores populares e de classe média, em sua fase de oposição e de governo, no contexto da evolução do PT nacional. Será a continuação do meu depoimento do livro “1968: uma Geração contra a Ditadura”. Vai sair, livro de 300 páginas.

“O brilho da estrela” é uma expressão muito nossa, do PT; “as impurezas do vermelho” foi inspirada no título do livro de Drummond de Andrade, “As Impurezas do Branco”. É que na época do mensalão me deparei no livro com o poema “Essas Coisas”, com os versos: “Você não está mais na idade de sofrer por essas coisas. Há então a idade de sofrer e a de não sofrer mais por essas, essas coisas? ... E se não estou mais na idade de sofrer é porque estou morto”.

Tem muita coisa para narrar, para avaliar, sobre as quais meditar. Mas, dá para definir uma perspectiva de análise. O PT nasceu de um duplo sonho: 1) romper com a tradição de partidos não-programáticos na história política brasileira; 2) ser um partido de esquerda de novo tipo. O PT conseguiu realizar esses grandes sonhos?

Evidentemente, um partido não nasce e sobretudo não cresce apenas porque tem um projeto. O PT é fruto de um Projeto, mas também de um Processo: o fortalecimento da sociedade civil, em especial dos setores populares, no âmbito do movimento de redemocratização dos anos 1970-1980. O novo sindicalismo, então chamado sindicalismo autêntico (contra a pelegada), a luta pela terra e a renovação dos sindicatos de trabalhadores rurais, o movimento popular de bairros, o renascimento do movimento estudantil pela reorganização da UNE, as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base, as Pastorais Sociais, etc. possibilitaram a nascimento do PT.

No debate sobre a criação de novos partidos depois da anistia em 1979, para além da ARENA e do MDB, os partidos de esquerda (PCB e PCdoB) defendiam a permanência de uma grande frente em torno do novo PMDB; era a posição dos trabalhistas liderados por Almino Afonso sem muita simpatia do Brizola, e também do FHC, do Ulisses Guimarães. O Lula dizia que só participava se a Frente só fosse até o Ulisses, sem a participação dos fisiológicos; Ulisses não aceitava. Participei de uma reunião nacional sobre o assunto. Predominou a ideia de organizar o PT, com a qual concordei.

O programa de um partido de esquerda é a defesa dos interesses dos trabalhadores (explícito no próprio nome) ou das classes populares, como se afirmou na América Latina; mas também de um modelo de sociedade “sem explorados e sem exploradores”, como está no Manifesto de fundação do PT, onde não aparece a palavra Socialismo.

No debate que avançou dentro do PT, assumimos claramente a ideia de que o tipo de Socialismo que defendemos é associado com a Democracia e expressamos claramente nossa crítica ao socialismo autoritário e burocrático predominante na União Soviética, no Leste Europeu e nos países comunistas em geral, bem como às hesitações da Social-Democracia. Sempre tivemos uma postura mais solidária com Cuba, até contra o bloqueio que sofria pelos Estados Unidos.

Sempre mantivemos um diálogo com os partidos socialistas e sociais-democratas europeus e a CUT sempre teve um bom diálogo com as Centrais Sindicais dessa orientação ideológica. Nunca defendemos a ideia de partido único nem a “ditadura do proletariado”, embora nas discussões teóricas a ideia aparecesse.

O PT precisaria ter desenvolvido mais essa concepção de socialismo. É incrível como a Nova Direita e o bolsonarismo colocam tudo no mesmo “pacote” e, para não “fazer o jogo da direita” não demarcamos as posições.

Também defendemos um partido de massa, contra a ideia dominante nos partidos comunistas de então de “partido de vanguarda”. Evidentemente, num partido de massas há níveis diferentes de consciência ideológica. Daí a importância da formação política e da conscientização inspirada na metodologia de Paulo Freire.

Contra o vanguardismo de esquerda e a oligarquia dos partidos tradicionais, o PT quer ser um partido com participação da base, na organização interna, nas disputas eleitorais e nas lutas sociais e políticas.

O desafio é imenso. Com nossa herança escravista anticidadã e com os meios de comunicação de massa (desde o rádio e agora com as redes sociais), a “massificação” tem um poder impressionante. Sem a formação de grupos intermediários, de espaços de diálogo, é difícil manter uma consciência crítica.

A consciência crítica não tem nada a ver com radicalismo e polarização que sempre se baseia em simplificações. O diálogo mostra as diferentes visões, a complexidade.  Por isso que o PT rompeu também com a ideia de “socialismo científico”, que levou ao dogmatismo no marxismo-leninismo. Não se trata de negar o pensamento de Marx como um dos grandes intelectuais contemporâneos, nem a importância da mediação das ciências sociais na análise das conjunturas, dos períodos históricos e na orientação da práxis política.

O PT também rompeu com ideia leninista dos sindicatos e movimentos sociais como “correia de transmissão do partido”. A autonomia do sindicalismo e dos movimentos é não só em relação aos partidos, mas também em relação os governos e suas tentativas de cooptação.

E essa é uma das características do PT, a valorização da participação institucional, da implementação de políticas públicas e portanto da disputa eleitoral pela conquista dos governos, além da presença nos parlamentos e da criação de espaços de democracia participativa. Os PCs, nas democracias “burguesas”, sempre valorizaram essa participação. Já os grupos de esquerda mais radical, em geral trotskistas como PSTU, PCO e também leninistas como PCB, sempre subestimaram a participação institucional. Esse é o dilema que o PSOL continua a enfrentar.

O desafio maior que o PT enfrentou nesse 40 anos vem da participação institucional. Dois problemas maiores se colocam: a construção de alianças partidárias para garantir a “governabilidade” e a cogestão da política econômica que exige a articulação com o empresariado que decide sobre investimentos.

O PT não se propôs a ser apenas um partido de esquerda de novo tipo mas um partido diferente dos partidos tradicionais. Também não é fácil. Começa com a dificuldade de definir o limite entre negociação e concessão. E nas coligações proporcionais – que felizmente estão acabando – há uma pressão para lutar nas mesmas condições e – eis o perigo – com as mesmas armas.

A meu ver, esse é o principal desafio do PT nos seus 40 anos. E passa pela reforma política. A reforma política está andando: cláusula de desempenho ou de barreira – é preciso fazer 2% dos votos em 2022 e 3% em 2030; passa pela vedação de coligações proporcionais, que começa agora em 2020. E passa pelo financiamento público de campanha com o voto em lista. Desde a eleição passada, temos o financiamento público pelo Fundo Eleitoral. Mas, com candidaturas individuais se torna apenas “complemento de caixa”. Para incentivar a consolidação de partidos programáticos, é preciso além da clausula de barreira e da não-coligação proporcional, votar numa lista de partido, onde a posição dos candidatos é decidida numa eleição interna com o voto de todos os filiados. Nesse ano eleitoral, não tem clima para avanço na reforma política; mas esse é o desafio maior do PT nos seus 41 anos em 2021. Só assim, teremos enfrentado a corrupção com mudanças estruturais, sem moralismo e sem uso parcial do debate como na LavaJato.

Só assim também, a Esquerda traz a disputa com a Direita para o principal: a garantia de direitos e as condições de vida das classes populares, um projeto de desenvolvimento para o país, o respeito à democracia e à diversidade.

Alguns novos desafios existem e são de médio e longo prazos. A revolução da telemática tem forte impacto no emprego, ou seja, no trabalho como fator de integração social, o que decisivo para os partidos de esquerdsa. E tem tudo a ver com a seguridade social e a previdência.  O respeito ao meio ambiente – a referência para uma nova civilização – não pode impedir que o nível de produtividade e de produção da riqueza garanta um nível razoável de bem estar para as pessoas. Num mundo globalizado, qual o papel dos estados nacionais na regulação da distribuição da riqueza, nas políticas públicas e nos incentivos ao desenvolvimento?

Penso o PT nos próximos 40 anos como uma Esquerda Democrática e Ecológica. Capaz de fazer alianças mais programáticas com as forças de esquerda e centro-esquerda e disputando e negociando democraticamente coma centro-direita e direita civilizada. O novo desafio, que não á hipotético mas real no Brasil de hoje como o foi na Alemanha e na Itália dos anos 1930, é como resistir à Extrema-direita, com suas investidas fascistas e obscurantistas.

Fonte: Antônio José Medeiros

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Antônio José Medeiros

É sociólogo, professor aposentado da UFPI. Licenciado em Filosofia pela UFPI e Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP. Foi professor em escolas estaduais de nível médio do Piauí, em 1968 e 1971 e na UERJ e Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, em 1973 e 1974. Trabalhou como técnico sênior na CEPRO/SEPLAN-PI e coordenou o Setor de Educação do Polonordeste na SEDUC-PI, de 1978 a 1980. Professor concursado da UFPI, onde trabalhou de 1981 a 2007.

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