Há 43 anos atrás foi criado o Partido dos Trabalhadores - PT, organizado em todas as regiões e grande parte dos estados brasileiro. O Piauí estava lá com sua representação de bravos e corajosos delegados que desafiaram o status quo político político-autoritário de então.
O PT nasceu para ser diferente e para mudar o Brasil e adotou um novo modo de fazer política para ampliar e aprofundar a democracia no país, tendo como marca o combate às desigualdades sociais, a luta contra exploração e espoliação no mundo do trabalho para a inclusão dos mais pobres na dinâmica da economia, social e política do país. Tudo era organizados pela base, através dos núcleos de filiados, em todas as atividades laborais espalhados na nação.
Esses núcleos eram formados por cristãos (católicos e evangélicos), ateus, agnósticos, espíritas, umbandistas, índios, caboclos, seringueiros, servidores públicos, operários do "chão de fábricas", trabalhadores rurais, ribeirinhos, defensores do meio ambiente. O sentimento de construção de um partido sério fez com que pequenos empresários e comerciantes deixaram de lado suas diferenças e interesses para, no debate interno, garantir seus direitos de cidadania, bem como como uma sociedade justa, democrática e socialista. Se uniram, sobretudo, para derrotar a Ditadura Militar. Conforme os princípios e diretrizes inscritas no seu Estatuto fundador estava consignado que o partido “... que almeja uma sociedade socialista e democrática tem que ser ele próprio, democrático nas relações que se estabelecem em seu interior. Assim, o PT se construíra, respeitando o direito das minorias expressarem seus pontos de vista. Respeitar a fração e as tendências...”. E com forte conteúdo e prática plural.
No Piauí, as primeiras noticiais sobre criação de um partido dos trabalhadores surgem no final da década de 70 em meio aos debates dos Centros Acadêmicos para organizar o Diretório Central dos Estudantes (DCE), na Universidade Federal do Piauí; na campanha para a refundação da União Nacional dos Estudantes (UNE), que aconteceria em 1979. No âmbito da UFPI, tem-se que fazer justiça ao piauiense Acilino Ribeiro, então assessor do deputado federal Henrique Santilho (MDB-GO), que durante os debates informou da criação de um partido com as características do PT. Ali ele colheu contatos de estudantes interessados. No entanto, foi Antônio José Medeiros quem efetivamente convocou reuniões que culminaram no encontro histórico no Centro Social do Parque Piauí, em Teresina, com o objetivo de criar o Partido dos Trabalhadores.
Luta pela legalização com várias correntes ideológicas
A partir desse evento no Centro Social do Parque Piauí tem início uma verdadeira epopeia para se vencer os prazos para a legalizar o partido. Formaram-se grupos que percorreram o interior do Estado e os contatos passaram, necessariamente, pelos sindicatos dos trabalhadores rurais e agentes católicos progressistas (padres e freiras) que professavam a Teologia da Libertação. Ressalte-se que nem todos os contatos foram vitoriosos, mas aqui e ali houve a acolhida e aceitação das propostas por alguns sindicalistas da oposição sindical. Houve cidade na qual padre conservador tentava expulsar os militantes com a cruz em riste dizendo: “vá de retro satanás...” devido a cor vermelha da bandeira e das camisetas usadas pelos militantes, visivelmente enfurecido.
A construção foi difícil. Não havia financiamento. Os militantes realizavam bingos, festas, vendas de pequenos animais para angariar recursos para deslocamento, hospedagem e alimentação. Os que tinham trabalhado estável, como os professores das redes federal, estadual e municipais, bancavam suas viagens do próprio bolso. Os respeitosos cumprimentos "companheiro" e "companheira", assim como os sentimentos de justiça, liberdade, solidariedade e fraternidade deram tom de igualdade e proporcionaram a união entre todos que chegavam ao partido.
Preto e branco
O primeiro cartaz, de abrangência nacional média de 90 x 60 centímetros. Era em preto e branco e representava um prédio em construção no formato das letras P e T, amparados em andaimes e um formigueiro de brasileiros e brasileiras, trabalhadores (as) do campo e da cidade, numa construção coletiva pondo pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo. Só e somente por isso, o PT se consolidou e foi fincado de forma sólida, na realidade brasileira e piauiense, devido à garra e coragem desses militantes que enfrentaram policiais (arapongas civis, militar e federal), instituições sociais e políticas e, até mesmo, a própria família, que não aceitavam a criação de um “partido dos trabalhadores” para enfrentar status quo então vigente, composto por partidos tradicionais que tinham donos.
Portanto, em sua trajetória, desde a fundação e luta pela legalização, no início dos anos 80, muitos mortos e escombros se amontoaram na história. Se construíram alicerces e esteios sólidos para sua continuidade e consolidação enquanto partido político que se impôs contra os interesses das classes dominantes desse país.
Não se trata de uma história somente de vencedores que conquistaram mandatos quando a casa já estava construída, com honrosas exceções. Muitos foram vencidos nas aguerridas lutas, discussões e decisões no interior do partido – que jocosamente eram chamados de “tombados” no calor das disputadas internas. Mas esses companheiros não fugiram da luta por acreditar no projeto político. Aqui poderíamos listar nomes de companheiros valorosos, da cidade e do campo, que não abdicaram de suas convicções militando no seu interior entre os quais: anarquistas, trotskistas, maoístas, marxistas, católicos progressistas vinculados à Teologia da Libertação entre outras denominações de esquerda.
Participação com inclusão social para a sustentabilidade ampla
No Governo, o PT implanta um projeto sustentável de desenvolvimento nacional com uma vigorosa e sem precedente inclusão social, na vigência democrática e das liberdades fundamentais, que possibilitou o desenvolvimento material e humano, com a inclusão dos mais vulneráveis, muitos através de busca ativa, com cidadãos de direitos no acesso às políticas públicas, tendo como primado acabar com a fome no Brasil. O resultado dessa decisão política foi a libertação da fome e da miséria de 36 milhões de pessoas.
Esse programa se associava a uma gama de outras políticas públicas que compunha um projeto de desenvolvimento com a participação de movimentos sociais e amplos setores organizados da sociedade através de diálogo permanente, de forma paritária, nos fóruns de discussão, análise, proposições e deliberações sobre as políticas públicas: conselhos, conferenciais e outras formas de participação como arenas onde se produziam as propostas do orçamento participativo para que os excluídos tivessem vez e voz no primeiro mandato do presidente Lula. Até aquele momento o partido exercia influência nas decisões políticas e não apenas na escolha de candidaturas que passavam por amplas disputas e processos democráticos de escolhas em alguns casos realizando prévias para escolha de candidaturas majoritárias.
Apesar de alguns sobressaltos, os movimentos representativos da sociedade, humos que possibilitou brotar, crescer e frutificar o PT passaram a ter vez e voz, em especial no primeiro Governo Lula a partir de 2003, e assumiram o protagonismo nas deliberações sobre as políticas públicas nos vários fóruns de participação social. Ao chegar ao poder pelo voto popular, o PT promoveu uma verdadeira revolução social e colocou a inclusão dos mais pobres e o combate à desigualdade no centro da agenda nacional, além de provar que o país podia crescer com esta inclusão na dinâmica do mercado consumidor, o que possibilitou um ciclo virtuosa de consumo de alimentos e de bens aquecendo o mercado produtor.
Esse "milagre" se deu com a implantação do Bolsa Família e suas condicionalidades, obrigando a presença dos filhos nas políticas de saúde e de educação, o que incidiu no aumento dos índices de desenvolvimento humano - em torno do IDH que informava a retirada mais de 35milhões de brasileiros da pobreza extrema. Ainda hoje é comum nos pequenos municípios os comerciantes aguardarem ansiosos o pagamento dos recursos do Bolsa Família. Trata-se de dinheiro novo que circula na economia não só local, mas também nos centros produtores, independente dos repasses constitucionais e obrigatórios do Tesouro Nacional.
O êxito do Bolsa Família, anulou as ásperas críticas dos liberais conservadores de que o programa iria alimentar a leniência e que o governo estaria executando clientelismo de Estado para perpetuar a acomodação de milhões de pessoas. Iniciou-se uma revolução social silenciosa exitosa de participação e inclusão capaz de postergar, em mais de uma dezena de anos a sanha neoliberal da exclusão social e da intensa modificação nas relações de trabalho, que levariam ao enfraquecimento da luta sindical vigorosa de então, substituindo-a pela vulnerabilidade das relações de trabalho em desfavor dos trabalhadores.
Com o PT, conseguiu-se combater o bom combate contra o modelo injusto do neoliberalismo. Foi possível barrar privatizações do patrimônio público brasileiro, construído com o sacrifício de várias gerações.
Pragmática substitui a programática nas decisões do partido e governo
No entanto, essa dinâmica de discussão democrática no partido vigorou com menor força já no final do segundo governo de Lula e, nos governos da presidenta Dilma, observa-se uma atuação mais pragmática do que programática, diminuindo essa dinâmica de participação e democracia interna no interior do partido nas tomadas de decisões sobre as políticas de governo.
Ali, vamos observar a prevalência do pragmatismo para eleger e formar governo, configurado nas amplas alianças para garantir a governabilidade. Isso foi positivo para a vitória eleitoral, mas negativo na prática não republicana de alguns dirigentes de estatais, o que nos levou a enfrentar problemas como o "Mensalão" e "Petrolão". Estes episódios geraram desgastes extremos ao partido.
Os dois outros episódios estão configurados no Golpe Político-Jurídico que levou ao impeachment da presidenta Dilma, sem crime tipificado e num processo no qual ela foi inocentada pelas instâncias superiores da Justiça, sem que se tenha feitos os reparos para repudiar a injustiça consumada. Por último, a condenação e prisão de Lula, num processo forjado e sem provas anulado na instancia maior da Justiça brasileira, o que permitiu sua candidatura em 2022, para tornar-se pela 3ª vez presidente do Brasil.
Mesmo assim o PT vence todas as previsões de teóricos e analistas políticos de orientação mais à direita, que anunciaram, por mais de três vezes, a sua morte e transformação em partido nanico. Infelizmente esse ambiente de descrença na fortaleza do partido contaminou até nossas lideranças que procuram novas estratégias de poder. No entanto, a fortaleza do PT é comprovada durante esses 43 anos de sua criação.
É necessário reconhecer que houve uma campanha inusitada para criminalizar o PT, em todas as frentes, e que teve efeito em alguns resultados eleitorais pelo país afora, à exceção do Nordeste que se manteve fiel ao legado do partido. Essa campanha teve como ator principal a grande imprensa liberal e conservadora ciando o ambiente de ódio ao partido mais pelas suas virtudes do que por defeito. É possível afirmar que o ódio dos conservadores ao PT não é causado por nossos erros políticos, mas por causa dos nossos extraordinários acertos sociais, que contrariaram interesses poderosos e desafiaram preconceitos seculares.
Da desconstrução à volta por cima alicerçada no legado histórico
Esse processo de desconstrução do partido ocorre concomitante ao enfraquecimento dos meios alternativos que se espalhavam pelo país, como as Rádios e TV Comunitárias com orientação editorial progressista. Esse setor ficou sem retaguarda para se contrapor ao discurso de ódio e desinformação do final do segundo mandato de Lula ao início do primeiro mandato de Dilma Roussef. A partir de então houve um retrocesso no sistema alternativo e quase foi extinto devido falta de apoio e recursos.
Apesar dessa situação, no Piauí foram implantados mais de oito dezenas de Telecentros tendo como fonte as Antenas GESAC - Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão, via satélite que possibilitaram milhares de jovens a ter acesso à internet nos lugares mais remotos.
Foram várias as previsões de articulistas da grande imprensa sobre a morte do partido. A primeira ocorre durante a crise do Mensalão; depois com injusto Impeachment político da Presidente Dilma Roussef; e mais recentemente com o forjado inquérito impediu a candidatura de Lula em 2018 depois de sua prisão. Esses episódios mostram a importância do partido no cenário nacional e sua fortaleza calcada na legitimidade garantida na maioria do eleitorado brasileiro em 2022.
Mas não se pode ignorar falhas e insuficiências políticas que contribuíram para o desgastar do PT. No entanto, é preciso corrigir as falhas sem abrir mão das conquistas sociais que obtivemos e continuar impulsionando o país no rumo da prosperidade e da justiça. É preciso fazer uma reflexão e enfrentar com humildade e coragem os desafios atuais, aliás como o PT sempre foi capaz de fazer ao longo de sua caminhada.
O Partido dos Trabalhadores tem este legado histórico de muitas lutas, participação e conquistas. Passado, presente e projeções de futuro se entrelaçam inexoravelmente. É resiliente e, mesmo sofrendo abalos ou deformações elásticas, retorna à forma original, reafirmando seus princípios e compromissos históricos; sua democracia interna e a ânsia por participação como protagonista para a inclusão dos mais pobres no processo de desenvolvimento.
O PT não aceita arroubos autoritários, nem interno e muito menos externos. A partir do momento histórico vivenciado de 2022, faz-se necessário o seu fortalecimento como formulador de políticas públicas, como sempre o fez, com independência e autonomia através de suas diversas secretarias temáticas.
Nesse particular é imperativo uma direção firme que ao mesmo temo que apoia os governos eleitos sob sua legenda, seja capaz de fazer contrapontos e ponderações aos eleitos considerando a complexa coalizão de governo. Essas deliberações tomadas nas suas instâncias devem ser apresentadas ao Governo do Estado e à sociedade como contribuição ao debate e como dever partidário. Acatá-las ou não ficará a cargo do executivo, mas o partido cumpre sua missão de propor políticas sociais para garantir a ampla inclusão dos mais vulneráveis na sociedade. Esse processo deve ocorrer da forma mais republicana possível.