Lunário Político

CORRUPÇÃO NO ASFALTO

Fraudes em obras de estradas serão evitadas se medições forem criteriosas

Por Roberto John

Quarta - 01/03/2023 às 12:39



Foto: Roberto John Os governos precisam acabar com as fábricas de
Os governos precisam acabar com as fábricas de "estradas sonrizal"

Foi boa para o novo governo Lula a divulgação de mais um escândalo de corrupção no governo de Jair. O escândalo fou revelado dia 10 de janeiro de 2023, pelo Tribunal de Contas da União -TCU, e envolve licitações na Codevasf - Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. O valor da fraude é superior a R$ 1 bilhão. 

No governo Bolsonaro, empresas agiram em conluio na sede da Codevasf  e nas superintendências regionais, apresentando propostas fechadas e combinação de rodízio. Nesses casos de corrupção, a empresa Engefort foi a mais beneficiada nas licitações no ano 2021. A empresa patrocinou desconto de apenas 1%, fora do padrão de descontos vigentes no mercado, incomum no desconto médio considerado normal em licitações no período de 2019 a 2021, fora da média que oscila entre 15 a 25% onde há competitividade com respeito as regras das licitações.

Muito oportuno o escândalo ser exposto e denunciado pouco tempo depois do início dos mandatos dos novos gestores no Governo Federal e nos Estados da Federação e ganha importância maior porque faz parte de reiteradas falas do Presidente Lula ao afirmar que seu governo terá tolerância zero com atos de corrupção.  Por outro lado, a decisão do referido Tribunal de Contas serve de alerta para que a sociedade civil se torne vigilante quanto aos editais de licitações futuros numa postura cidadã contra os saques dos cofres públicos por agentes públicos e privados que se aproveitam desses certames para levar vantagem, como os casos da referida denúncia do TCU.

Essa denúncia ganha mais importância pelo fato de recair sobre o setor de construção de rodovias, que vem praticando fraudes ao longo dos tempos referentes à qualidade dos produtos entregues, conforme reiteradas denúncias ao longo dos anos, das vias denominadas de “estradas construídas com asfalto sonrisal”, que não resistem às primeiras chuvas. Aqui não se faz referência às denúncias, de toda sorte, que são feitas durante o processo licitatório até a proclamação dos vencedores.  São fatos publicados nos meios de comunicação que depõem contra empresas que constroem estradas Brasil afora.

Como tem ocorrido em outros casos, a companhia teria mudado sua vocação e objeto principal, de atuação e abrangência histórica, para o acesso à inclusão produtiva água, projetos de irrigação, saneamento básico, recuperação de áreas degradadas e fomente à agricultura familiar e promover o desenvolvimento sustentável das bacias hidrográficas dos dois rios e redução das desigualdades com qualidade de vida para suas populações. Esse objetivo foi transmutado para a construção de rodovias como uma grande empresa de pavimentação e asfaltamento de vias. Para o TCU os riscos nas estradas não estão restritos apenas à imprudência de motoristas, mas a não observância de aspectos técnicos como a falta de condições adequadas de trafego, a exemplo a distância mínima de visibilidade para ultrapassagem, entre outros aspectos.

Um problema não só da Codevasf, mas dos órgãos que constroem estradas

Além de problemas relacionados à sinalização outros elementos de segurança das vias tais como: o não atendimento  das especificações técnicas quanto as barreiras e defensas, à falta de manutenção no sistema de drenagem, a invasão de areia e terras para o pavimento, a falta de manutenção de valetas, somando-se a graves defeitos construtivos nas rodovias fiscalizadas, pois os sistemas de construção, conservação, restauração e manutenção não seguem as normas técnicas inscritas nos processos de licitação.  Além do mais muitos desses itens não resistem a uma medicação técnica e eticamente correta.

Esses problemas não se restringem à Codevasf, pois a prática já foi evidenciada no DNIT e nos DER em todos os Estados brasileiros. A estratégia corriqueira é uma grande empresa ganhar um certame e sublocar ou terceirizar empresas pequenas, perdedoras no processo, que não têm estrutura suficiente para entregar os trechos conforme as especificações e no tempo devido.  Por outro lado, essa prática está lincada diretamente à forma de como são feitas as vistorias e medições de obras públicas no país, em especial na construção de estradas, condição sine qua non para aprová-las, pagá-las e recebê-las concluídas, nas suas distintas fases.

Um ciclo vicioso de fraudes no processo de construção

Esse processo passa a compor um ciclo vicioso que ocorre em sequência no espaço de um ano a partir da inauguração da obra, as quais recebem reparos, inclusive em sua estrutura. As rodovias que escapam desse ciclo geralmente foram construídas pelo Batalhões e Engenharia do Exército que consegue seguir as especificações técnicas, apesar de se constatar lentidão em alguns trechos. Aliás, existem no setor de construção de estradas quatro fases que se retro-alimentam: construção, conservação, restauração e manutenção que, em alguns casos, ocorrem no espaço de um ano, numa constante infinda e acarretando ônus aos cofres públicos devido à não são observação técnica explicitada nas licitações, devido à má qualidade dos serviços e materiais usados na construção e à má fé.

É comum ser noticiada a inauguração de trechos de estradas asfaltadas Brasil afora. No Piauí, por exemplo, todas as cidades estão ligadas por vias asfaltadas, um feito extraordinário dos últimos governos. No entanto, constata-se um déficit na fiscalização que deveria ser feita em todas as etapas da construção quanto aos critérios técnicos e de medição dessas obras que, a depender da sua rigorosa observação ou não, irão definir a durabilidade das vias, levando-se em consideração o tempo de uso útil, de acordo com o ecossistema e as condições climáticas onde são implantadas, a capacidade de cargas, entre outros aspectos.

Para cada tipo de estrada asfaltada tem que se observar a qualidade do material usado, a consistência da compactação e, sobretudo, a observação das medidas exatas da espessura dessas camadas para se evitar trechos desgastados, ondulações, buracos, curvas sem o nivelamento correto para que veículos não escapem da via pela força centrífuga pela mudança e direção e sentido que projetam os veículos para fora do ângulo de circulação.  É comum observar que o nivelamento de margem a margem da via numa curva permanece o mesmo de numa reta, o que tem ocasionado muitos acidentes. Outro problema grave é a não observância das medidas dos acostamentos nas margens das rodovias que geralmente estão foram das especificações.

Piauí da exemplo em boas estradas

Medição falha por falta de independência do fiscal

Quem viaja longas distâncias pelas estradas no Brasil e no Piauí, observa como as fases de construção, recuperação e conservação das estradas são realizadas. O curioso é que após a inauguração de uma via recém construída, com pouco mais de cinco meses de uso, o motorista começa a observar o surgimento de manchas amarelada e a dissolução da mínima camada de asfalto (betume), que se parece muito com a lama asfáltica utilizada em estradas de pouco movimento e impacto ou quando da manutenção periódica.

O trabalho de fiscalização e medição é falho porque os fiscais as realizam através de sondas e de outros instrumentos que medem cada camada não escolhem os pontos de verificação, de forma aleatória no percurso das estradas, nos quais deve perfurar para verificar quantos centímetros estão ou não de acordo com as especificações contidas na licitação. Geralmente perfuram no quilometro indicado pelos construtores, geralmente trechos de 5 a 8 metros construídos seguindo às especificações do certame, distribuídos ao longo da rodovia, saltando vários quilômetros nos quais as especificações não foram rigorosamente seguidas.

A solução desse grave problema passa pela constituição das equipes de vistoria e medição compostas por membros dos órgãos contratantes, do Ministério Público, Tribunais de Contas e da Sociedade Civil.  Ao agente fiscalizador do contratante seria dada todas as condições de hospedagem, alimentação e deslocamentos, especialmente quando veem de fora dos Estados, para não sejam capturados pelas benesses do contratado local. Só assim estaria garantida a isenção necessária no processo de fiscalização e de medição de obras públicas, especialmente de nossas estradas que garantir sua vida útil conforme o respectivo contrato.

Roberto John

Roberto John

Roberto John Gonçalves da Silva é jornalista, assistente social, mestre em Ciência Sociais (PUC/SP) e doutor em Ciências Políticas (USP/SP) e professor da UFPI aposentado. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Piauí, membro fundador da CUT e do PT, partido pelo qual foi deputado federal.
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