O Brasil vive um momento de grandes contradições e terríveis obscurantismos para encontrar o rumo certo para dirimir os seus principais problemas. E tal miopia vem se acentuando depois do golpe parlamentar-constitucional-judicial desferido no país em 31 de agosto de 2016. Voltou-se à época da política rude e ignara, em que a negação do óbvio ululante virou agrado ao status quo golpista. E nessa degradação e desinteligência coletiva tentou-se desqualificar o incomparável poeta, compositor, autor teatral e romancista Chico Buarque de Holanda. Tamanha heresia só poderia vir dos adeptos de sistema governativo que trata com desfaçatez a educação, a cultura, a arte, a ciência, a pesquisa e o conhecimento. Só poderia ser gente desse naipe.
E por ele combater esse dano nacional tornou-se objeto de desrespeito, insulto e intolerância. E nada poderia ser mais alvissareiro e reconfortante para Chico Buarque do que ser agraciado com o principal troféu da língua portuguesa: o Prêmio Camões de Literatura de 2019, que o júri elege anualmente um autor de qualquer país falante de português.
O último brasileiro eleito foi o escritor Raduan Nassar em 2016. Os jurados escolheram Chico Buarque pela sua contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa e também porque o seu trabalho atravessou fronteiras e mantém-se como uma referência fundamental da cultura do mundo contemporâneo. Chico Buarque é o primeiro que ganha o Prêmio Camões e que tem na música popular sua obra principal. De tudo isso, uma lição: não há sistema político dominante que rebaixe a obra e a arte de quem realmente contribuiu para a cultural nacional e universal.