Temos em nossas residências vários artefatos mobiliários necessários a guardar nossos pertences, roupas, alimentos, tudo mais necessário a nossa sobrevivência, inclusive relógios modernos digitais mais em nossos pulsos do que nas paredes como antigamente, badalando as horas na medida que o tempo vai marcando nossas horas vividas. Hoje são modernos, movidos eletronicamente sem que nos dê conta do tempo que corre pela ausência do “ tic tac” ou do som do pêndulo como se fosse um sino na altura de uma catedral!
Ganhei um relógio muito antigo, registrado por quase dois séculos, de meu amigo e parente Carlos Araújo, há alguns anos atrás, poucos anos, aliás! À noite, no total silêncio que nos envolve, ao deitar, na solitude de meus lençóis, ouço melimetricamente o “ tic tac” daquela máquina artezanal de madeira trabalhada com formato de flores laterais, na altura e na base, então faço uma prospecção de quantos momentos felizes, tristonhos, alegrias incontidas, prantos e lágrimas foram horariamente marcados por aquele velho relógio, por inúmeras famílias no passar dos anos: nascimento, aniversários, casamentos , separações , dores , alívios , alegrias, tristezas, vidas e mortes!
Desvendo sobre meu olhar profundo, olhos fitos, na calmaria da noite, que ele hoje acompanha a mim, marcando meus dramas, sucessos e insucessos, como o fez em relação àqueles que serviu, de forma estática, dependurado numa parede, coletando histórias que não pôde contar, mas que marcou indelevelmente o tempo de muitas gerações.
O que mais me impressiona é que este relógio é o formato verdadeiro do que existia na fazenda Concórdia, onde os ponteiros longos e agudos marcaram o início de minha vida… não é o mesmo relógio, vi os destroços daquele velho marcador de horas, mas a analogia é perfeita, parece até que Carlos Araújo tenha sido tocado inconsciente, mas espiritualmente, a ofertar-me aquela velha máquina de marcar o tempo.
Ele está na minha sala, como uma relíquia verdadeira do velho relógio, um autêntico carrilhão que soava lentamente nos meus tímpanos e fazia-me dormir e sonhar com imagens belíssimas da fase pueril, inocência, pureza d’alma que toda criança trás no seu ainda santo coração, desprovido das maldades humanas que vamos adquirindo à medida que crescem nossos instintos, nossos impulsos.
Olho para ti, sinto alegrias , tormentos, ânsias e sofrimentos que marcas-tes nas paredes hoje inexistentes, mas que vences-tes o tempo , porque em boas mãos estivestes para ainda hoje como um sino chamando os fiéis na Igreja , tu me acordas no silenciar da noite, no raiar do dia!