“Sou Luiz José Ribamar Osório Lopes, conhecido como Luis Eduvigem, trabalhador rural e vaqueiro de Campo Maior, pai de 14 filhos...”. As palmas explodiram e alguém gritou: “Ô véi macho”. O coro logo se seguiu: “Ô véi macho, ô véi macho”.
Essas foram as palavras de Luis Eduvigem, em comício na Praça Pedro II, em Teresina, no final da campanha eleitoral de 1982, quando ele era vice na chapa de governador encabeçada por Ribamar Santos, pelo Partido dos Trabalhadores.”
O Luis se tornou um amigo querido de todos nós. De convivência simples e simpática, sempre expondo suas ideias sobre obras e ações de melhoria da condição de vida dos trabalhadores e pobres. Sempre cheio de esperança.
Luis foi embora para o Mistério aos 94 anos, falecido no dia 4 de dezembro deste 2023 que está findando. Sua história é belíssima, por suas lutas, seus sonhos, seus sofrimentos e sua persistência, até seus últimos momentos de lucidez na hora da morte.
Luis é um símbolo do PT. Mas o PT é herdeiro da sua luta, de seus irmãos Ribamar Osório, jornalista e advogado que foi pré-candidato a governador pelo PT em 1982 e faleceu antes da campanha; e de Raimundo Eduvigem, trabalhador rural, muito bem informado e sábio, hoje com 92 anos. Os três foram militantes de esquerda desde 1962.
Naquela época, Eduvigem foi presidente da ALTACAM – Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Campo Maior, liderou várias lutas, pregou a reforma agrária e enfrentou latifundiários com firmeza: “conflito entre trabalhador e patrão se resolve é na Justiça e não na Polícia”. Nunca se esqueceu dos advogados Deusdedit Ribeiro e Manoel Veloso. O PCB, já denominado Partido Comunista Brasileiro, aliado do governo Chagas Rodrigues e com presença na SUPRA/Piauí, foi o motivador e formador para esta luta. A ALTACAM era filiada à ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil. Luis participou do Congresso em Belo Horizonte em 1963, quando aconteceu a primeira fundação da CONTAG, numa disputa entre esquerda comunista, socialistas das Ligas Camponesas e reformistas católicos apoiados pela CNBB.
Com o golpe de 1964, Luis Eduvigem e outros sindicalistas rurais, tanto da esquerda como católicos, foram presos. Foram extintas as entidades e o clima de repressão se manteve por 15 anos (até a anistia de 1979), com resquícios do autoritarismo até 1985.
Luis se manteve isolado em sua casa, ao lado de sua esposa D. Santinha, na sua propriedade Matinhos, interior de Campo Maior, enfrentando preconceitos e discriminação. Mas, com tranquilidade, firmeza e alimentando suas convicções. Demonstração de sua fortaleza de espírito. Sempre reflito sobre esse momento da vida dele.
Com a fundação do PT em 1980, Luis Eduvigem foi convidado pelo PT para se integrar às suas fileiras, por indicação dos dirigentes do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campo Maior, originários do trabalho do MEB e ligados à CPT. No interior do Piauí, agora estavam juntos no PT, os antigos simpatizantes do PCB, os simpatizantes das Ligas Camponesas, os antigos reformistas católicos, inspirados por uma doutrina social da Igreja mais avançada. A ditadura os conduziu para posições mais radicalizadas, com uma arraigada consciência (quase instinto) de Classe.
Evidentemente o Luis Eduvigem se destacou nas plenárias e reuniões dos PT, desde o início. Por sua formação ideológica, com sua capacidade de análise, com sua disponibilidade para construir. Ficou na direção estadual, participou do encontro nacional em 1981, viajou por vários municípios do Piauí e foi candidato a vice-governador e a deputado federal.
Voltou à militância sindical e foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campo Maior. Em 1983, participou da fundação da CUT e fez parte da direção estadual e nacional da entidade.
Tinha uma preocupação com a formação dos jovens. Quando percebia um jovem com boa participação numa reunião, sempre me falava: “Aquele rapaz promete, frequentou a escola; precisamos formar ele, convida para os cursos”. O Antonio José Rocha, hoje presidente da FETAG – Federação dos Trabalhadores Rurais do Piauí, é uma dessas “crias” do Luis Eduvigem.
O Lula, com sua memória privilegiada, mas, sobretudo, por seu carinho pelos mais pobres, sempre que vem ao Piauí, se lembra do Ribamar Santos, do Zé Pereira e do Luiz Eduvigem. Seu último encontro com o Luis foi em sua última vinda ao Piauí.
O Luis ficou muito feliz com a vitória eleitoral do PT no Brasil e no Piauí. Reconhece que muita coisa foi feita, mas gostaria de ter visto muito mais. A idade foi reduzindo sua capacidade de deslocamento e de participação. Não escondia sua felicidade quando um companheiro ou companheira o visitava. E sempre tinha propostas novas a apresentar. Uma cabeça moderna: não acreditava em mudança significativa na agricultura familiar sem uso de tecnologia.
Meu querido Luis, vamos continuar tentando. Esperemos que as novas gerações de filiados não esqueçam a herança do nosso “PT raiz”, assim como não esquecemos sua herança, da esquerda comunista, das ligas camponeses e dos cristãos que fazem a opção pelos pobres. Luiz PRESENTE”.
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Antônio José Medeiros é sociólogo, professor da UFPI - nas redes sociais.