(Leandro Grass*)
Hoje completamos 100 dias de gestão do novo governo brasileiro, eleito democraticamente nas urnas em 2022. Sabemos que a reconstrução é sempre mais difícil, gradual e desafiadora do que a destruição. Por isso, a nova Presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em parceria com a Diretoria Colegiada e o corpo de servidores e servidoras, vem empregando o máximo esforço para recuperar plenamente o exercício da missão do Iphan. Apesar do pouco tempo, é válido e necessário compartilhar alguns êxitos desse período, com destaque para o retorno do Ministério da Cultura (Minc) e do Iphan novamente como um de seus órgãos vinculados.
De início, reconheço e agradeço o empenho daqueles e daquelas que, nos últimos anos, em um contexto de imensas dificuldades, foram resistentes e resilientes na tarefa de preservar as políticas estruturantes do Iphan, mesmo com desgastes e enfrentamentos extremamente complexos. Graças a vocês estamos aqui. Também não poderia deixar de salientar o importante papel do grupo de transição que, além de apontar os principais desafios para a nova gestão, ajudou a garantir um orçamento total de R$ 236,1 milhões para 2023, sendo R$101,9 para as ações discricionárias (20ZH) e R$ 34,8 milhões para o PAC-CH (5538). Uma variação positiva de 177% em relação ao que estava previsto no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) encaminhado pelo governo passado.
Esse montante viabilizou a aprovação de 581 planos de ação pela Diretoria Colegiada no dia 5 de abril, elaborados pelos departamentos, centros, coordenações e superintendências nas diferentes áreas finalísticas, como identificação, reconhecimento, apoio e fomento a bens culturais imateriais, educação patrimonial, cooperação internacional, obras de conservação e restauração, entre outras. Isso representará um investimento de R$ 136 milhões na política de patrimônio cultural em 2023, sem contar os projetos a serem viabilizados pela Lei Rouanet e pelo Fundo de Direitos Difusos.
O ânimo e a esperança do início da gestão foram fundamentais para tratarmos os desafios gerados pela tentativa de golpe de Estado e os atos terroristas do dia 8 de janeiro. Os crimes praticados contra o nosso patrimônio mundial, Brasília, provocaram danos e prejuízos, mas a democracia venceu. Nesse cenário, o papel do Iphan, na figura dos servidores de diversos departamentos e da Superintendência Iphan no Distrito Federal (Iphan-DF), foi fundamental para atestar a soberania e a capacidade do Estado brasileiro de lidar com a crise provocada pelos criminosos. Nosso corpo técnico atuou de forma exemplar, interagindo com as equipes das instituições atacadas, oferecendo apoio técnico e um acompanhamento que gerou dois relatórios de grande qualidade e importância para subsidiar decisões institucionais.
A retomada da participação social marca esse início de gestão. Além do diálogo interno, estão sendo restabelecidos os colegiados de consulta e deliberação do Iphan, extintos em 2019. Entre eles, os Comitês Gestores dos sítios do Patrimônio Mundial e o primeiro a ser reconstituído foi o do Cais do Valongo, por meio da Portaria Iphan nº 88, de 20 de março de 2023. Para este sítio, também foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial, coordenado pelo MinC, por meio do Decreto presidencial 11.445 de 21 de março de 2023. Em parceria com a Unesco e com a Organização das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial (OCBPM), estão sendo definidas estratégias para a reconstituição dos demais comitês, bem como a instalação dos centros de interpretação, da sinalização e dos planos de gestão.
Foi encaminhada ao MinC a reformulação do Conselho Consultivo do Iphan, a ser consolidada por decreto presidencial. Na nova composição proposta, o número de profissionais com notório saber salta de 13 para 15. Soma-se a isso a inclusão da representação da Associação Nacional de História (Anpuh) junto a outras entidades, dos Ministérios da Igualdade Racial e dos Povos Originários, além do retorno da Fundação Palmares. Acreditamos que essa ampliação garantirá mais representatividade no Conselho e proporcionará a qualificação de suas competências.
Atendendo a uma das metas dos primeiros 100 dias, foi iniciado o processo de revisão da Instrução Normativa que estabelece os procedimentos administrativos a serem observados pelo Iphan nos processos de licenciamento ambiental dos quais é partícipe. A portaria que será publicada nos próximos dias estabelecerá os prazos e as instâncias de construção coletiva da nova norma, as quais contarão com a participação de todos os departamentos e superintendências, além do Centro Nacional de Arqueologia e da própria Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental.
De igual maneira, está em curso a reformulação da Comissão Técnica do Inventário Nacional da Diversidade Linguística, com a orientação de que a nova Comissão contemple tanto a dimensão técnica quanto a dimensão política e estratégica desse colegiado para a efetivação da política pública que cabe ao Iphan, além daquelas correlacionadas à identificação e ao reconhecimento das línguas faladas no Brasil, mas que são operadas por outros órgãos e entidades.
Destaco também as revisões que estão sendo feitas em processos e decisões de anos anteriores, buscando ajustá-los às normas vigentes. Uma delas implicou, a partir de análise técnica, a suspensão do ofício que autorizava a exploração mineral na cava oeste da Serra do Curral, em Minas Gerais, pelo fato de não terem sido apresentados os estudos de impacto sobre o bem tombado. Também foi feita a mudança de nomenclatura do bem antes denominado "Museu da Magia Negra" para "Acervo Nosso Sagrado". A decisão do Iphan contou com a participação ativa de detentores e lideranças religiosas, especialmente de matrizes africanas, de instituições públicas e da sociedade civil organizada.
Além dessas ações, está sendo retomada a cooperação internacional do Iphan, especialmente no Mercosul e na África. Neste aspecto, vale destacar o fortalecimento do Centro Lúcio Costa mediante a aprovação do orçamento 2023, incluindo o reajuste no valor das bolsas (25%) e auxílios (75%) do mestrado profissional, além da capacitação de gestores dos países de língua portuguesa e da América Latina para a gestão do patrimônio.
No dia 29 de março, o Iphan encaminhou a candidatura dos Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal à Lista Representativa da Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. O pedido foi formalizado ao Secretariado da Convenção do Patrimônio Imaterial da Unesco por meio da Delegação Permanente do Brasil junto à Unesco (Brasunesco).
E, a partir de hoje, está disponível o Repositório Digital dos Bens Culturais Registrados, fruto da nossa parceria estratégica com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), dando acesso à sociedade brasileira informações sobre cada um dos bens culturais imateriais registrados como Patrimônio Cultural do Brasil. O repositório é mais um forma de assegurarmos a ampla divulgação e promoção do patrimônio imaterial reconhecido, nos termos do Decreto nº 3.551/2000.
A Educação Patrimonial retornou como política estruturante e está em curso a reconstituição de uma coordenação específica para essa finalidade. As publicações voltaram, especialmente a Revista do Patrimônio, cuja próxima edição terá como tema "Democracia e Patrimônio". O Programa Nacional do Patrimônio Imaterial foi retomado com um edital no valor de mais de R$ 7 milhões em 2023. Obras paradas e processos com prazo vencido estão sendo tratados.
A Procuradoria do Iphan vem se dedicando com bastante competência à resolução das ações judiciais decorrentes da inação nos anos anteriores. Neste momento, o Iphan desenha a proposta de um novo programa, em parceria com o MinC e a Casa Civil, a ser anunciado nas próximas semanas, com importantes inovações nas estratégias de restauração em bens tombados individualmente e centros históricos, especialmente na intersetorialização do patrimônio com a política de habitação social.
Para enfrentar nossos desafios estruturais, especialmente sobre a nossa capacidade institucional, está sendo elaborado um consistente relatório situacional das nossas unidades e seus respectivos indicadores. Isso também perpassa a análise das condições de trabalho em cada superintendência e os desafios provocados pelas limitações de recursos humanos. De forma a suprir demandas emergenciais, estão sendo formuladas metodologias de cooperação interna e um forte programa de capacitação para os servidores de todas as unidades, especialmente das superintendências.
Já foi encaminhada ao MinC a solicitação da convocação de 25% do cadastro de reserva do último concurso, sendo já previsto e possível legalmente. A nomeação do restante será solicitada pelo Iphan e analisada posteriormente pelos ministérios competentes. Além disso, já foram iniciados os diálogos com a associação dos servidores, Asminc, para a construção de uma proposta para o Plano de Carreira dos servidores do Iphan, o que é tido pela atual gestão como uma questão prioritária.
Outro tema de grande atenção e dedicação da nova gestão é a criação do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural e do Fundo Nacional. A Assessoria Parlamentar do Iphan está em contato com a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados para tratar do projeto. Ao mesmo tempo, a Diretoria Colegiada vem se empenhando na construção de um relacionamento mais estreito com os governos estaduais e municipais e avançando na formulação de pactos que já representam um ensaio dos instrumentos oriundos do SNP.
Ademais, destaco importantes entregas, como o restauro e conservação dos elementos artísticos da Concatedral de São Pedro dos Clérigos, em Recife (PE), e a restauração da Fortaleza de Santo Antônio de Ratones, em Florianópolis (SC). Nos próximos dias, será entregue à sociedade a restauração do conjunto de azulejaria portuguesa do Convento São Francisco, em Salvador (BA), além de estarmos dando prosseguimento a 21 outras obras de restauro em diversas partes do País. Para dar celeridade às obras em execução e resolver os impasses daquelas que foram paralisadas na gestão anterior, implementamos uma Sala de Situação que dará apoio técnico e administrativo periódico às superintendências, a fim de realizarmos 17 novas entregas ainda em 2023.
Por fim, reafirmo que o diálogo voltou. Tanto para dentro quanto para fora do Iphan. Neste sentido, deixo esta Presidência e toda a Diretoria Colegiada à disposição para a construção coletiva, juntamente com servidores, sociedade civil, instituições do Estado Brasileiro e da iniciativa privada em torno de um grande pacto pelo Patrimônio Cultural Brasileiro. Agradeço o apoio do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e da ministra da Cultura, Margareth Menezes, na retomada do Iphan. Este início é motivo de esperança e animação. Vamos em frente com união e reconstrução!
*Leandro Grass é presidente do Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional