Política Nacional

“Não vou ficar 4 anos fingindo ser presidente como Bolsonaro”

Leia a entrevista de José de Abreu sobre o personagem de presidente autoproclamado

Segunda - 18/03/2019 às 19:03



Foto: congresso em Foco Montagem feita com foto do ator é uma das primeiras imagens a aparecer quando se busca por presidente do Brasil no Google Images
Montagem feita com foto do ator é uma das primeiras imagens a aparecer quando se busca por presidente do Brasil no Google Images

O ator José de Abreu vive no Twitter um dos mais inusitados personagens em seus 51 anos de carreira artística. Desde que se “autoproclamou” presidente do Brasil em 25 de fevereiro, em uma brincadeira despretensiosa feita em uma madrugada fria na Grécia, o artista viu sua legião de seguidores dobrar de tamanho nas redes sociais, seus desafetos se multiplicarem na mesma medida e seu principal alvo, o presidente Jair Bolsonaro, cair na "armadilha".

Bolsonaro ameaçou Zé de Abreu com processo

Militante petista, Zé de Abreu encontrou no gesto extremo do líder da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, de se autodeclarar presidente de seu país, o mote para liderar a oposição brasileira nas mídias sociais. Ganhou fotomontagem com a faixa presidencial e a adesão do ex-presidente Lula, preso há quase um ano, do petista Fernando Haddad, candidato derrotado por Bolsonaro em 2018, e de vários outros nomes representativos da esquerda brasileira. E despertou, por outro lado, a ira dos apoiadores do atual presidente. 

Às vésperas de começar, nesta segunda-feira (18), as primeiras gravações de sua nova novela na Globo, “A dona do pedaço”, Zé de Abreu estuda uma saída triunfal para o seu personagem presidencial. “Não vou ficar quatro anos como Bolsonaro, fingindo que sou presidente. Comédia tem tempo cênico. Se passa do ponto, envelhece, fica chato. É um timing que tenho de descobrir. O bom ator sai de cena no meio dos aplausos. Não pode esperar os aplausos acabarem”, explica.

Posse no aeroporto

Aplausos não faltaram para ele nas últimas semanas. No último dia 8, ao desembarcar de Atenas no Rio, Zé foi recebido no aeroporto por simpatizantes vestidos de vermelho. Foi carregado nos ombros aos gritos de presidente. Ainda no saguão, encenou o rito de juramento da Constituição.

De lá, seguiu para um bar na Cinelândia, centro da capital fluminense, onde se concentravam as manifestações pelo Dia Internacional da Mulher. Mais uma vez foi venerado como presidente madrugada afora. Divertiu-se. “Fiquei quatro horas e não conseguia tomar chope, ganhando beijos – 70% mulheres, 20% gays e 10% homens héteros. Um carinho absurdo. É pessoal de esquerda, não é pessoal que fica babando ator, que viria tirar fotografia por eu ser da Globo. É gente que foi por causa da minha comédia”, afirma.

A comédia, aliás, é o antídoto contra a “tragédia inominável” e o “momento de terror” vividos pelo Brasil, na opinião do ator. “Fotografei hoje [sexta, 15] parte da minha timeline. Uma pessoa dizia que estava vivendo um momento terrível, que não sabia se lia as notícias e sofria, ou se se aprofundava na sua ignorância e também sofria. Tinha umas 200 pessoas falando a mesma coisa. Essa perplexidade entre os brasileiros que pensam é muito triste. Existe uma doença social”, avalia. “Como sou ator, humorista, comediante, sei que a única coisa que pode enfrentar a tragédia é a comédia”, ressalta.

"Mentecapto"

Amigo do ex-presidente Lula, em nome de quem já comprou várias brigas, o ator não poupa críticas ao governo Bolsonaro. “É o governo da imbecilidade, da pobreza intelectual, que escolhe a dedo pessoas do mesmo nível intelectual do presidente. Não é possível”, dispara. “As pessoas sabem que ele está metendo os pés pelas mãos. Cada tuitada é uma cagada”, emenda.

Para ele, Bolsonaro dificilmente chegará ao fim do mandato. “Nossa posição é que é melhor manter o Bolsonaro até o fim do mandato para que nunca mais o povo brasileiro eleja um mentecapto como presidente. O melhor é deixá-lo aí sangrando.”

Zé de Abreu também não perde a oportunidade de cutucar outro desafeto, o deputado Alexandre Frota (PSL-SP), ex-ator de novelas que enveredou pelo mercado pornô antes de entrar para a política. Frota entrou com representação contra Zé por causa da “incorporação” do personagem de presidente autodeclarado.

“Tem coisa mais comédia que Alexandre Frota presidir uma sessão da Câmara? Isso é a própria comédia. Ou a tragédia é tão grande que vira comédia. Se contasse isso em novela, ninguém ia acreditar. Nem Glória Perez e Aguinaldo Silva, em seus momentos de maior criatividade, conseguiriam imaginar um país desse”, observa.

Guerra civil

O artista diz que, apesar da virulência das mensagens trocadas na internet, não se sente ameaçado. Muito menos considera que sua histórica militância política e partidária tenha trazido prejuízo à sua carreira. “Estou na melhor fase da minha vida. A cada ano, melhora, ganho papeis melhores. Uma coisa não tem a ver com a outra”, considera. “Se esses caras me matarem, depois do assassinato da Marielle e da saída do Jean Wyllys e da Márcia Tiburi, aí fodeu. É capaz de ter uma guerra civil. Sou ator, caralho, estou fazendo comédia”, diz. “É um direito à sacanagem, ao esculacho, ao escracho, é a liberdade de expressão”, defende.

Para Zé, este é um bom momento para o PT fazer autocrítica. Na avaliação dele, o partido não tem culpa pela atual situação do país. “Não, nada a ver, o que teve foi uma disseminação do ódio ao PT, ódio à esquerda, com essa nóia de ver comunismo em tudo. Mais mamadeira de piroca, kit gay, pastores criando histórias inacreditáveis para criminalizar tudo que não fosse Bolsonaro. E dá-lhe bombas de WhatsApp sob a direção de Mr. Bannon [estrategista de Trump]. Agora o capitão vai jantar com ele nos EUA. Talvez levar um ‘golden shower’. E Trump? Seria culpa do PT?”

Na conversa a seguir, Zé de Abreu ainda rebate ataques que recebe na internet por ter utilizado recursos da Lei Rouanet, de incentivo à cultura, e por ter cuspido em um casal, em 2016, em um restaurante japonês em São Paulo. "Fascista tem de ser tratado no cuspe. Não sei brigar, sou velho, sou fraco, uma cusparada é o que eles merecem."

Congresso em Foco - De onde veio a ideia de se autodeclarar presidente do Brasil?
José de Abreu - Surgiu com o “White dog”, apelido do Guaidó nos Estados Unidos. Isso me lembrou aqueles ditadores que, na minha juventude, se autodeclaravam presidentes na África e forçavam o Congresso a aprovar seus nomes. No Brasil vivemos uma tragédia inominável com a eleição do vizinho do matador da Marielle, é uma situação completamente anômala para um país como o nosso. Nem na ditadura tivemos coisas que geraram tanta perplexidade nas pessoas que pensam, não só na esquerda. Qualquer pessoa com um mínimo de senso sabe que estamos vivendo um momento de terror. Como sou ator, humorista, comediante, sei que a única coisa que pode enfrentar a tragédia é a comédia. A partir da ideia do Guaidó, tive a ideia de me autoproclamar. Qual o problema? Ele fez a sério, eu fiz na gozação.

Você imaginava que a coisa pudesse tomar a proporção que tomou?
Fiz isso numa noite. Eu estava na Grécia, com fuso de cinco horas a mais que aqui. Fui dormir. No outro dia recebo recado de uma amiga minha, que é jurista internacional, dizendo que eu tinha furado a bolha. Aí vi que meu nome como presidente do Brasil estava entre os primeiros assuntos do Twitter. Vi que a noite tinha sido uma loucura. Perguntei para essa minha amiga: e, agora, o que eu faço com isso? Boa pergunta, ela disse. Eu estava na Grécia, na casa de um amigo pedreiro. A esposa dele tinha viajado para Atenas. Ele fala pouquíssimo inglês e eu pouquíssimo grego. No inverno, a ilha fica muito vazia sem os estrangeiros. Eu estava muito sozinho, tive tempo de ficar na internet brincando. Até que Bolsonaro começou a tuitar, um pouco antes de carnaval, e eu disse que o meteoro dele tinha chegado e que esse meteoro era eu. E ele me responde, dizendo que vai processar alguns e o próximo é “esse meteoro”. Aí deitei e rolei (risos). A partir do momento em que o presidente cai em cima de sua piada, ameaçando com processo judicial, é um negócio de doido. No dia seguinte o Alexandre Frota me denuncia: um ex-ator pornô coloca nos anais da Câmara a minha presidência. Algo bem apropriado (risos).

Aí você viu que ficou uma coisa "séria"?
Fugiu do controle completamente. Não sei como, mas Lula viu e me mandou um recado. Antes, Boulos, Haddad e outros da esquerda já tinham começado a brincar, a me chamar de presidente e a se colocarem à minha disposição. Lula disse que ia ser meu cabo eleitoral. A gente começou a brincar. É a maneira de você desopilar o fígado. Viajei por cinco países nesses quatro meses de férias e vi que há uma grande perplexidade não só dos brasileiros como dos estrangeiros com tanta desfaçatez. Hoje fotografei parte da minha timeline. Uma pessoa dizia que estava vivendo um momento terrível, que não sabia se lia as notícias e sofria, ou se se aprofundava na sua ignorância e também sofria. Tinha umas 200 pessoas falando a mesma coisa. Essa perplexidade entre os brasileiros que pensam é muito triste. Existe uma doença social. A Rita de Almeida, psiquiatra, publicou essa coisa do psicótico, que só a comédia poderia derrubar isso. Eles levam a sério que matar é bom, que ter arma é bom, que eliminar adversário político é bom. É uma doença social muito triste e assustadora que estamos vivendo. Como vamos sair dessa?

Como, na sua opinião?
Ao mesmo tempo a economia está indo para o beleléu. Não vejo a menor possibilidade de a reforma da Previdência passar do jeito que foi proposta. A bancada evangélica está ameaçando pular fora do governo. A bancada ruralista está puta por causa da história da China [representantes do agronegócio estão preocupados com o viés anti-chinês do atual governo]. A economia em recessão. Se Bolsonaro não percebeu, alguém à sua volta já deve ter percebido: se ele aprova essa reforma agora, o que é muito difícil, ele cai no dia seguinte. Se demorar, cai também. Não há possibilidade de o sistema suportar um presidente desse nível. Ele vai ferrar o Brasil. Não tem como em 2019 um presidente desse ser aceito pela comunidade internacional. Nessa sexta, uma embaixadora do Brasil na ONU deu vexame com Jean Wyllys. Bateu boca e foi embora. É um comportamento que só é possível tendo um chanceler imbecil como o nosso. É o governo da imbecilidade, da pobreza intelectual, que escolhe a dedo pessoas do mesmo nível intelectual do presidente. Não é possível.

Bolsonaro chega ao fim do governo?
Nossa posição é que é melhor manter o Bolsonaro até o fim do mandato para que nunca mais o povo brasileiro eleja um mentecapto como presidente. O melhor é deixá-lo aí sangrando. O Mourão andou tendo aula de marketing político. Mudou totalmente a postura. Na campanha ele chegou a dizer que o neto dele era exemplo do branqueamento da raça. É duro. Ele está com assessoria de marketing muito boa. Deu entrevista para a Globonews com camisa do Flamengo. Ele não é burro. Sempre houve na política o torturador mau e o torturador bom. Mas ambos são torturadores. Me parece que, com a possibilidade de Bolsonaro não aguentar, ser impeachado ou renunciar, ele viu a possibilidade de assumir e de ter de ficar mais palatável. Mas ninguém muda assim de pensamento. A demonstração de racismo introjetado que ele cometeu sem perceber... as pessoas não mudam desse jeito. Isso é totalmente teatral.

É isso que está, na sua opinião, por trás das divergências em manifestações públicas dos dois?
Obviamente que, por mais idiotas que sejam os assessores do Bolsonaro, é muito fácil ser melhor que ele. As pessoas sabem que ele está metendo os pés pelas mãos. Cada tuitada é uma cagada. Ele está sendo sacaneado pelos artistas de direita e esquerda americanos. A Marie Le Pen [líder da extrema direita francesa] disse tempos atrás que ele era intragável. Na Europa não se admite mais essa direita torturadora, que apoia pedófilo ou estuprador como Strossner [ex-ditador paraguaio elogiado recentemente por Bolsonaro]. Não tem como não falar sobre isso. É uma coisa tão primária, fora de cogitação, pensamento, que não vai ter apoio internacional. Não sei como eles vão resolver o imbróglio. É um negócio muito primário. Não está fácil para eles também. É uma situação completamente doida. Ontem assumiu no MEC uma secretária que diz que Deus foi o maior matemático do mundo. As pessoas que pensam não podem aceitar esse tipo de coisa, uma Damares da vida. Agora mesmo o MEC manda um monte de gente fazer curso com o Olavo de Carvalho. Estão indo lá para os Estados Unidos porque o Olavo precisa de dinheiro para pagar Imposto de Renda e não ser preso. Não há condição de isso prosperar.

Como você avalia a reação dos bolsonaristas ao seu personagem presidencial no Twitter?
Eles estão vindo sempre a reboque. Lula disse que, pela primeira vez, botamos o Bolsonaro no canto do ringue através dessa minha comédia. Toda noite levanto uma tag, e eles levantam outra contra mim. Estão a reboque do que digo. Perderam o protagonismo da internet, o campo deles.

Você tem recebido ameaças de morte?
Antigamente recebia muita ameaça. Nunca dei bola e pararam. Não tenho medo. Às vezes tenho aquele medo inerente do ser humano. Mas ele não me paralisa. Pelo contrário, me dá força. Tenho formação espiritualizada. Pra mim a morte não é o fim de tudo, é uma mudança, uma evolução. Não tenho medo de morrer. Se esses caras me matarem, depois do assassinato da Marielle e da saída do Jean Wyllys e da Márcia Tiburi, aí fodeu. É capaz de ter uma guerra civil. Sou ator, caralho, estou fazendo comédia. Outro dia o UOL fez pesquisa com juristas para saber se cometi algum crime. A resposta foi não. É um direito à sacanagem, ao esculacho, ao escracho, é a liberdade de expressão. Tenho um grupo de 150 juristas que já se prontificou a me defender. Vai ser um escândalo. Vamos ver se a PGR vai me intimar ou deixar o processo correr agora que o Alexandre Frota já foi considerado persona non grata pelo Bolsonaro [o deputado escreveu no Twitter que ficou sabendo que não é mais bem-visto no Planalto por ter defendido a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro]. Ele está puto da cara (risos).

Ele disse semana passada que vai levar o processo contra você adiante...
O Alexandre Frota não dura muito, uma hora ele vai encher alguém de porrada e vai perder o cargo por quebra de decoro. Ele é tão burro que não percebe que, se prenderem o Queiroz, cai o governo. Ele não percebe isso. Ele acha que o Flávio Bolsonaro vai pedir licença para se defender? Eles são trogloditas, burros. Como não posso fazer comédia com uma coisa dessa? Tem coisa mais comédia que Alexandre Frota presidir uma sessão da Câmara Federal? Isso é a própria comédia, ou a tragédia é tão grande que vira comédia. Se contasse isso em novela, ninguém ia acreditar. Nem Glória Perez e Aguinaldo Silva, em seus momentos de maior criatividade, conseguiriam imaginar um país desse. Nem na Greenville do delegado Motinha [personagem de Zé de Abreu em "A indomada", novela de 1997]. Nessa semana teve uma mudança no STF. Olha que o Gilmar Mendes me processou duas vezes. Sempre fui um crítico ferrenho do Gilmar. Ontem ele chamou os procuradores da Lava Jato de gangsters. Já entraram para pedir impeachment dele. Enquanto ele prendia os caras do PT, ele era maravilhoso. Agora querem o impeachment dele. Talvez a gente tenha de chegar ao fundo do poço. Um analista já me disse que todo fundo do poço tem uma mola.

Você já sofreu algum tipo de perseguição ou perdeu trabalho por causa de sua militância política?
Estou fazendo a próxima novela das 21h. A melhor coisa da vida artística de um ator brasileiro é fazer duas novelas das 21h da Globo em seguida. É a quinta ou sexta em seguida que faço. Não há nada. A Globo não interfere na vida pessoal dos seus contratados, é uma resposta que mandaram até para a filha do Fernando Henrique Cardoso quando ela pediu minha cabeça. Estou na melhor fase da minha vida. A cada ano, melhora, ganho papeis melhores. Uma coisa não tem a ver com a outra. Se tiver, só se for ao contrário, só se minha atuação política estiver ajudando minha carreira.

"Agora o capitão vai jantar com ele nos EUA, talvez levar um golden shower. E Trump? Seria culpa do PT?"

Mas você não considera que tem mais liberdade por ser um ator conhecido e já consagrado?
Se eu não fosse um ator conhecido, consagrado, não sei. Depois que me autoproclamei, vários disseram que já tinham se autoproclamado. Mas não teve resposta. É impressionantemente alto o nível intelectual e o número de pessoas que me parabenizam. São pessoas muito importantes e respeitadas que viram na minha atitude humorística uma furada de bolha, uma esperança, mesmo que falsa, porque não é verdadeira, é teatral, de um desafogo. Acabou com a perplexidade dessas pessoas que estavam sem saber o que fazer.

Com a derrota para Bolsonaro, que autocrítica a esquerda (o PT, em especial) deve fazer?
Quanto ao PT, acho que poderia sim, hoje, haver uma “autocrítica”, mesmo porque não há melhor hora. Até para acabar com esse argumento que você só discute política a cada eleição. E tem discurso compreensível para “justificar” possíveis deslizes. Creio que hoje, depois da lavada na Lava Jato, tem-se um bom momento para comprovar que os erros do PT foram julgados por seus adversários políticos. Portanto, com um rigor nunca dispensado aos outros partidos que cometeram os mesmos deslizes. E aí entra a condenação do Lula, totalmente fora da lei, inicialmente por não ter respeitado a regra do juiz natural. Isso é primário! Ilegal. E o objetivo político de sua condenação está explícito pelo pagamento de dois bilhões pelo feito. Mais um Ministério da Justiça que certamente se transformará numa cadeira no STF.

Você acha que o PT tem alguma responsabilidade pelo fato de o país ter chegado à situação atual?
Não, nada a ver, o que teve foi uma disseminação do ódio ao PT, ódio à esquerda, com essa nóia de ver comunismo em tudo. Mais mamadeira de piroca, kit gay, pastores criando histórias inacreditáveis para criminalizar tudo que não fosse Bolsonaro. E dá-lhe bombas de WhatsApp sob a direção de Mr. Bannon [Steve Bannon, estrategista político e eleitoral de Donald Trump. Agora o capitão vai jantar com ele nos EUA, talvez levar um golden shower. E Trump? Seria culpa do PT? Há um movimento de reconstrução do nazismo, que é mundial. Precisamos nos fortalecer, porque a luta vai ser dura. Na França há medo de Le Pen ganhar. A mesma que disse que o Capitão é intragável.

O PT perdeu protagonismo na oposição?
O primeiro baque da oposição foi aquele comportamento indigno do Ciro de ir embora [depois de ficar de fora do segundo turno]. Ele deixou a esquerda meio perplexa. A Lava Jato feriu de morte o PT com a prisão do Lula. Eu sabia desde o começo que esse processo era ilegal. Ontem alguns juristas disseram que se forem refazer o julgamento do Lula é que a primeira coisa é que o direito juízo natural não foi respeitado porque ele não mora em Curitiba, o sitio é em Atibaia, o apartamento era no Guarujá. Não tinha dinheiro da Petrobras no triplex. Não tinha sentido ele ser julgado em Curitiba. E o pagamento que o Moro recebeu pelo acordo eu achava que tinha sido o ministério, para ganhar depois a vaga no STF, mas teve pagamento pecuniário de R$ 2,5 bilhões para criar uma fundação para ensinar o povo brasileiro a votar.  A Lava Jato não existe, não é uma instituição do estado. Essas forças-tarefas conseguem burlar certas leis de proteção ao cidadão, de defesa do suspeito que não é uma coisa juridicamente perfeita.

Mas o PT tem condições de se recuperar?
Todos sabemos que o PT é dividido em muitas tendências. Lula era o agregador dessas tendências. Lula tem aquela capacidade infinita de contemporizar, que aprendeu com sindicalistas, de fazer os fins se encontrarem. Com Lula preso, o PT ficou meio sem pai. Tem de esperar o tempo até que o PT se reorganize. O PCdoB continua fazendo o que sempre fez. O Psol está tomando um protagonismo, mais pelo Boulos do que pelo Freixo. Acho que o PT volta com força total. É um momento de perplexidade. Perder para Bolsonaro é difícil de engolir, ainda mais tendo um candidato como Haddad. Meu Deus do céu, imagina a diferença que estaria o Brasil hoje. Os tiros na Marielle foram dados contra a própria direita. Tudo isso queima a imagem do Brasil lá fora de forma irreversível. Vai demorar muitos anos para o Brasil voltar a ser respeitado como país que vive em seu tempo. Não duvido nada o Alexandre Frota virar puta oposição. Já estou retuitando Reinaldo Azevedo, já retuitei Renan Calheiros, Gilmar Mendes, daqui a pouco estou retuitando Alexandre Frota. Vai saber... A tragédia é imensa. Só a comédia pode corrigir isso.

Os defensores de Bolsonaro criticam muito você por ter cuspido em uma mulher em um restaurante alguns anos atrás. Você se arrepende disso?
Fascista tem de ser tratado no cuspe. Não sei brigar, sou velho, sou fraco, uma cusparada é o que eles merecem. Falei no Faustão pra todos ouvirem. Não faz sentido você estar num restaurante com sua mulher e ser agredido, por uma hora e meia, por um imbecil que te chama de ladrão, veado, comunista e carioca – pô, sou paulista, caralho (risos) – e minha mulher de puta. Perguntei pra mulher dele por que ela estava fazendo isso, xingando outra mulher. Ele era tão ridículo que disse que estava se preparando, fazendo mestrado em Miami, para discutir comigo. Enquanto isso, a minha mulher já tinha feito mestrado na PUC e estava fazendo doutorado em Direito. Esse cara mandou carta para o Reinaldo Azevedo cheia de erros de português, dizendo que inquiriu os motivos pelos quais eu estava jantando em restaurante caro. O que ele tem na cabeça? Trabalho há 50 anos, trabalho na Globo, tenho um dos melhores salários do Brasil, vai dizer que não tenho dinheiro para comer num restaurante japonês? Além disso, o restaurante era de um amigo meu. Às vezes nem pago, porque não deixam, porque gostam da minha presença lá, atrai mais gente.

Outro ponto em que você é atacado nas redes se refere a suspeitas de irregularidades na prestação de contas da Lei Rouanet de um projeto de espetáculo seu...
Se pegar as atas da CPI da Lei Rouanet, meu nome era o primeiro da lista de convocados. Discutiram meu nome por 72 horas e nunca me convocaram. Pedi ao governo documento que mostrasse que eu era inadimplente, porque essa era a única maneira de provar que eu não sou inadimplente. O caso era de um projeto em nome da minha ex-mulher, pessoa física. O projeto já tinha sido aprovado. Eles me chamam de veado, de velho, de ator decadente, de cocainômano. A CPI não me convocar foi uma prova de que não sou inadimplente.

Mas esse discurso de que artistas atacam Bolsonaro porque querem recursos da Lei Rouanet repercute nas redes...
Não querem ler nada da Lei Roaunet. Vários sites já publicaram como funciona. Eles não têm ideia, não sabem que a Ford que está indo embora do Brasil ganhou incentivos fiscais de bilhões, que os ruralistas ganham incentivos, que bancos não pagam impostos. Não têm noção do que falam. Como vai discutir? Não tem como. Nelson Rodrigues dizia que é impossível conseguir discutir com imbecis, porque você nunca vai conseguir descer tão baixo e eles vão dominar o mundo não pela inteligência, mas pela quantidade. tentei explicar no começo, mas não adianta, virou seita. Agora as pessoas não falam mais em mito. Como disse o Wagner Moura, chamar um ser humano de mito é medíocre. Chamar um medíocre de mito é mais medíocre ainda. Tem gente na rede dizendo que o cara que fez o atentado na Nova Zelândia era comunista. Como vou discutir isso?

Saindo pelo humor?
Outro dia me compararam ao Pasquim, fiquei muito lisonjeado. Acordava cedo quando o Pasquim chegava nas bancas. Era um respiro, parecia que a gente vivia em outro país. Hoje, com minha comédia presidencial, parece a mesma coisa. Tem pessoas que dizem que passam o dia no Twitter tentando conversar comigo. Eu tinha 130 mil seguidores, agora já são mais de 300 mil. Recebo muita demonstração de esperança e fé no meu trabalho. Mas não tenho capacidade para isso, sou um ator. Não vou salvar o Brasil. Não tenho nem competência, desejo até tenho, mas não tenho essa veleidade. Imagina, começou como uma brincadeira.

Você foi recebido com festa no aeroporto por simpatizantes ao desembarcar no Brasil. Isso é uma nova forma de manifestação política?
Quando cheguei ao Brasil foi incrível, inacreditável.  Pior que no aeroporto foi quando saí de lá para o Amarelinho, um bar famoso na Cinelândia, na manifestação das mulheres. Devia ter umas 300 pessoas em cada bar, tudo lotado. Quando cheguei, os dois bares começaram a levantar. Fiquei quatro horas e não conseguia tomar chope, ganhando beijos. Eram 70% mulheres, 20% gays e 10% homens héteros. Um carinho absurdo. É pessoal de esquerda, não é pessoal que fica babando ator, que viria tirar fotografia por eu ser da Globo. Gente que veio por causa da minha comédia.

Quais são os próximos passos do “presidente autoproclamado”?
Não tem próximo passo, não. Começo a gravar novela nesta segunda (18). Um papel grande. Tenho de me concentrar, até descobrir o personagem é mais difícil. É feito com mais cuidado. Todo mundo está tateando. É um momento difícil, vou ter de me concentrar no personagem. Estou pensando numa maneira de mudar de status, de mudar de nível a brincadeira. Essa coisa da presidência não sei o que fazer.

Vai ter renúncia?
Estou pensando alguma coisa bem significativa, estou conversando com amigos algo bem significativo.

Você está se despedindo do papel de presidente autoproclamado?
Não vou ficar quatro anos como Bolsonaro, fingindo que sou presidente. Comédia tem tempo cênico. Se passa do ponto, envelhece, vira chato. É um timing que tenho de descobrir. O bom ator sai de cena no meio dos aplausos. Não pode esperar os aplausos acabarem.

Fonte: Congresso em Foco

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