Polícia

Vídeos de presos denunciam torturas, agressões e maus tratos na Cadeia de Altos

Mães e esposas de apenados da Cadeia Pública de Altos fazem apelo para que denúncia chegue às autoridades competentes

Valciãn Calixto

Sábado - 16/11/2019 às 12:23



Foto: Divulgação/Sejus Cadeia Pública de Altos
Cadeia Pública de Altos

O portal Piauihoje.com recebeu uma série de vídeos e áudios de um homem identificado como Deivid Rodrigues de Oliveira, do estado do Pará, mas que passou cerca de quinze dias detido na Cadeia Pública de Altos (CPA), a 38 quilômetros de Teresina, e hoje encontra-se em liberdade, sendo monitorado por tornozeleira eletrônica. O ex-detento denuncia maus tratos, tortura, abuso de autoridade, entre outras medidas de cunho agressivo adotadas pela direção do presídio e praticadas contra os apenados.

Menos de dois meses após ser inaugurada, a CPA de Altos é chamada pelos presos de ‘inferno’ e ‘cascavel’, uma alusão ao veneno prejudicial desta cobra, como se a passagem pela penitenciária significasse uma estadia venenosa.

“Estive por aquele inferno que chamam de CPA no Estado do Piauí e o que está acontecendo lá é descaso total, porque quando a gente vai preso a gente já perdeu, fica disposto a cumprir a pena e lá a gente não consegue nem cumprir porque é, de fato, bastante humilhado. A gente come spray de pimenta, a gente não tem direito de nada. A gente toma café 7h da manhã, almoça 11h da manhã e 15h da tarde é a janta, não tem direito a entrar biscoito, não tem banho de sol, eu passei mais de quinze dias dormindo no chão, sem escovar os dentes”, relata.


O homem foi preso há um mês, suspeito de integrar uma quadrilha de hackers responsável por aplicar golpes bancários no interior do Piauí. De acordo com Deivid, a cela 26 do Pavilhão B, destinada exclusivamente a presos com alguma deficiência, abriga de dez a quinze apenados.

“A cela 26 do pavilhão B é uma cela pra deficiente, que é pra uma pessoa só, mas lá se encontra entre 10 a quinze presos sem colchão pelo chão, as nossas roupas é só as que eles dão, mas são todas rasgadas”, denuncia.

Segundo Deivid, um dos agentes penitenciários costuma usar um anel de formatura para bater nos presos enquanto um segundo agente, identificado como Cachacinha, manda os presos tirarem as roupas e ficarem próximos uns dos outros.

“Todo mundo pega porrada, tem um magrinho lá que usa óculos, um agente, chefe de grupo que ele usa um anel, creio ser de formatura, com uma pedra vermelha, é o que mais bate em todo mundo, humilhação, é horrível, tem um outro agente lá que chamam ele de ‘Cachacinha’ que é oprimindo, bota arma na cabeça dos presos, bate, ele quer que a gente tire a roupa, fique perto um do outro, causando constrangimento pra nós e é dessa forma que está acontecendo ali na CPA, apelidada de cascavel por esse regime de ditadura”, afirma.


Deivid, que deixou a Cadeia de Altos há três dias com mais dois amigos, conta que chamou um deles para filmar as denúncias, porém o homem tem sofrido com problemas psicológicos ocasionados pelos maus tratos na penitenciária e não pôde participar da gravação.

“Lá [na CPA] não tem atendimento médico, a gente foi na assistente social e ela falou que lá nem telefone tinha, é ‘oprimição’ o tempo todo, saiu eu e mais dois amigos, um dos que saíram comigo está fazendo tratamento psicológico, inclusive, pedi para ele falar comigo agora, mas ele tá com o psicológico totalmente abatido”, conta.

Após uma visita do Juiz Vidal de Freitas, titular da Vara de Execuções de Teresina, à Cadeia Pública de Altos, o diretor da CPA teria dito que ele não tem moral e que não manda na própria casa, conforme o testemunho do ex-detento.


“Uma vez o preso foi discutir, falou que ia contar pro juiz, o diretor disse que o juiz não manda nem na casa dele, quem manda lá é ele, juiz não tem moral pra porra nenhuma, quando o Vidal saiu ele falou que seu Vidal era um cuzão, não sabia de porra nenhuma, então é isso aí”, lembra.

MOVIMENTO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS/ARTICULAÇÃO PIAUÍ

A representante do Movimento Nacional dos Direitos Humanos no Piauí, Conceição Araújo, contou em entrevista ao Piauihoje.com, que o caso será levado ao Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. 

Conceição Araújo, Movimento Nacional Pelos Direitos Humanos

É uma obrigação nossa quando a gente recebe uma denúncia dar encaminhamento, por conta da gravidade do que foi relatado e da agonia das pessoas que pediram socorro, as mães ligando e pedindo ajuda com os filhos que estão lá dentro, ficou todo mundo apavorado. 

Eu encaminhei esse material para o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura do Estado do Piauí, que foi criado pelo governador, por decreto do governador, foi nomeado e empossado pelo governador, é um colegiado que tem paridade entre a sociedade civil e o estado, é a instância mais adequada para dirimir as questões, as dúvidas que estão sendo provocadas por esse incidente e quero dizer também que essa não é a primeira denúncia, as denúncias estão se avolumando todos os dias principalmente dos presídios  Major César e CPA.

CRIME

Deivid Rodrigues foi preso em outubro deste ano com mais três pessoas 

pelos crimes de organização criminosa, uso de documento falso e estelionato. A ação criminosa consistia em obter os dados de correntistas, alterar documentos com os dados dos correntistas e efetuar os saques em agências bancárias do interior do estado. Os investigados estavam no Piauí há cerca de 2 meses e vinham sendo acompanhados pela nossa equipe de investigação o que nos fez representar por busca e apreensão junto à central de inquéritos. A operação foi deflagrada hoje e resultou na apreensão de documentos falsos, dados de contas correntes e equipamentos de informática usados para falsificar os documentos, segundo nota divulgada pela Secretaria Estadual de Segurança Pública à época das prisões.

NOTA

Em nota, a Secretaria de Justiça do Piauí (Sejus) afirma que não recebeu qualquer notificação oficial sobre denúncia de tortura e negou uso desta prática nos presídios estaduais.

Sobre matéria veiculada neste portal, sob o título “Vídeos de presos denunciam torturas, agressões e maus tratos na Cadeia de Altos”, publicada no último dia 16/11/2019, a Secretaria de Estado da Justiça informa que não procedem os fatos relatados na notícia, que tais práticas não são toleradas pela gestão.

Informa também que não recebeu notificação oficial, por parte de órgãos competentes, acerca de supostas torturas na unidade penal, Cadeia Pública de Altos Antônio José de Sousa Filho.

Sobre o vídeo que circula nas redes sociais, em que o ex-detento Deivid Rodrigues de Oliveira, preso no dia 16/10/19, pelo Grupo de Repressão ao Crime Organizado (GRECO), a Sejus reitera que a unidade segue os protocolos de segurança e disciplina oriundos do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que visam resguardar a ordem e a disciplina, bem como garantir os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade.

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