O Exército Brasileiro tem sido um ator político de grande importância na história do país. Militares desempenharam papéis decisivos, como na Proclamação da República (1889), na Revolução de 1930, na deposição de Getúlio Vargas (1945) e no golpe de 1964, que instaurou a ditadura militar.
A atuação dos militares sempre foi objeto de estudos e debates, especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro, quando acadêmicos e jornalistas passaram a refletir sobre o papel das Forças Armadas. Nesse contexto, surgiram questionamentos sobre a formação dos militares e seus valores, principalmente após a tentativa de golpe em 2022, com investigações da Polícia Federal.
A cientista política Ana Amélia Penido tem se dedicado a estudar a formação dos militares brasileiros. Em seu novo livro, Como se Faz um Militar?, ela aborda a educação dos oficiais na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), com foco na formação dos militares de 1995 a 2012. Penido defende que a educação militar precisa ser subordinada ao sistema de ensino civil, já que, atualmente, as Forças Armadas operam sob um sistema próprio, o que contribui para uma percepção de distanciamento da realidade civil.
Em uma entrevista à Agência Brasil, Ana Amélia explicou como a formação militar é construída, ressaltando que ela difere profundamente da educação civil. Os cadetes, por exemplo, vivem em regime de internato, com rotinas rígidas e uma identidade que enfatiza a diferença entre militares e civis. Essa diferenciação gera um sentimento de superioridade entre os militares, como observado em exemplos de comentários sobre a organização e disciplina nas escolas militares em comparação com as universidades públicas.
Penido ainda aponta que esse processo de formação contribui para o golpismo, pois cria uma mentalidade em que a visão de mundo dos militares é considerada superior e deveria ser imposta à sociedade. As escolas militares, segundo ela, não apenas ensinam técnicas militares, mas também cultivam uma identidade e camaradagem entre os cadetes, que perdura ao longo de suas carreiras. O corporativismo, a lealdade e a união entre os militares de diferentes gerações podem contribuir para atitudes de resistência a mudanças ou apoio a ações autoritárias.
A pesquisadora também observa que a Marinha e a Aeronaútica têm uma formação mais voltada para a tecnologia, o que resulta em uma maior integração com a sociedade civil, especialmente nas áreas de engenharia e desenvolvimento tecnológico. Já no Exército, a ênfase está em uma formação que mistura ciências humanas, ciências militares e valores hierárquicos, o que muitas vezes reforça o distanciamento dos valores democráticos e de uma convivência mais ampla com a sociedade.
Além disso, Penido destaca que, embora existam disciplinas de direitos humanos na formação dos militares, a ênfase principal está nas práticas de hierarquia e disciplina. Essa estrutura contribui para a construção de uma identidade forte entre os cadetes, que se percebem como uma elite com valores superiores, distantes dos civis.
A cientista política também discute a influência das Forças Armadas dos Estados Unidos sobre as brasileiras, ressaltando o estreito relacionamento entre os dois países desde a Segunda Guerra Mundial. A dependência não é apenas material, mas também doutrinária, o que implica que o Brasil adote muitas das estratégias e visões de guerra dos EUA.
Em suma, Ana Amélia Penido argumenta que a educação militar no Brasil precisa ser mais integrada ao sistema de ensino civil e que as Forças Armadas devem ser mais abertas ao diálogo com a sociedade. Ela acredita que mudanças significativas na formação dos militares poderiam contribuir para uma maior compreensão e respeito à democracia e ao Estado de Direito.
Fonte: Agência Brasil