Mais uma vez os moradores de São Gonçalo do Gurgueia denunciam que foram vítimas da atuação da empresa Enel Green Power no parque solar de São Gonçalo, que fica na Serra de Santa Marta, no extremo Sul do Piauí. Agora, os moradores dos povoados Grotão da Lapa, Buritizinho, Macacos e Lapa, que ficam no entorno da usina solar, afirmam que a Enel Green Power está despejando dejetos no rio Gurgueia, contaminando a água e adoecendo a população.
Os moradores estão preocupados com o material que está caindo diretamente no rio Gurgueia, pois é de lá que os agricultores e pecuaristas utilizam a água pára a realização de suas atividades econômicas e do dia-a-dia. Segundo relatos, a contaminação começou no início de fevereiro e só foi descoberta porque a população que tomava banho no rio começou a apresentar alguns sintomas e água do rio estava com um forte cheiro.
CONTAMINAÇÃO
O agricultor e pecuarista Júnior Falcão foi uma das vítimas e está representando os moradores prejudicados. Ele conta que após tomar banho no rio começou uma irritação nos olhos. No começo ele achou que fosse apenas uma irritação, mas ele alega que o problema era bem mais sério e quase perdeu a visão.
"Peguei a bactéria no Rio Gurgueia. Meus vizinhos já estão com esses problemas, estão coçando o corpo e com os olhos irritados. Tudo isso porque o dejeto está descendo de cima da serra para a água do rio. Principalmente na minha propriedade, tenho duas na região. As minhas propriedades ficam nas localidades mais atingidas com a lama da Enel, pois no fundo do meu quintal passa o rio e também desce um riacho. É onde eu tomo banho, todo mundo no interior toma banho na água do rio. Entre na água no final da tarde e já a noite começou a coçar meus olhos. No dia seguinte amanheceu vermelho e foi criando uma mancha na lateral do meu olho esquerdo, tomando parte da visão".
Júnior disse que procurou atendimento médico em Corrente, onde achava que fosse uma conjuntivite, mas não conseguiu resolver o problema. A situação foi piorando e ele buscou ajuda médica em Floriano, onde deu uma inflamação na retina e foi encaminhado para Teresina. "Quase perdi a minha visão, quando percebi que não estava dando jeito eu corri para a capital e lá foi descoberto uma bactéria no meu olho. Eu já tinha perdido 50% da visão e foi feito uma pequena cirurgia, uma raspagem, ai voltei a recuperar a visão. Ainda estou em tratamento", explica.
PREJUÍZOS
Outro morador, que reside na localidade Lapa, pediu para não ser identificado por medo de represália. Ele revelou que 56 famílias estão prejudicadas com a obra da Enel. "As famílias estão sendo prejudicadas tanto com a poluição da água como também com a inundação dos brejos. Estão jogando lama nas nossas nascentes e já temos duas nascentes secas e uma represada. Os pés de buriti também acabou tudo. O pessoal aqui vive da colheita do buriti e agora se acabou tudo. Só na minha roça tem mais de 60 pés de buriti mortos, estão soterrados na areia.
REUNIÃO E FISCALIZAÇÃO
O morador da localidade Lapa disse ainda que a Enel Green Power convocou uma reunião com os moradores e se propôs a ajudar. "Apesar da reunião, a Enel não documenta nada, não nos dá nenhum documento, mas se propôs a levar uma equipe para cá no próximo dia 04 de março para fazer um levantamento. A empresa disse que iria tomar as medidas e ver o que tinha acontecido, porém não relatou nada".
A reunião da Enel aconteceu no dia 18 de fevereiro e no dia seguinte os técnicos da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMAR) foram ao local para realizar uma fiscalização. O Piauí Hoje tentou contato com a Semar, mas devido ao feriado de Carnaval, não conseguiu contato. Segundo informações preliminares de moradores que acompanharam a fiscalização, o nível de impacto ambiental causado na região é de 80% conforme a vistoria da Semar.
PROBLEMAS COMEÇARAM COM A EXPANSÃO DO PARQUE SOLAR
Os moradores relataram que desde que a Enel Green Power começou a construção da expansão de 133 MW do parque solar de São Gonçalo, os problemas começaram a surgir, mas somente em janeiro deste ano que a situação ficou mais séria. No dia 05 de janeiro, houve o rompimento de bacias de contenção que foram construídas no entorno do parque.Com o rompimento, houve destruição de plantações, morte de animais, isolamento de comunidades e assoreamento de trecho do Rio Gurguéia.
"Há um ano não tinha nada dessas dessas doenças. Comprei essa propriedade em 2008 e nunca tive problemas com a água do rio. Só não usamos para beber, mas usamos para tudo. Agora é uma devastação o que está acontecendo e só agora com as chuvas que começou a aparecer as consequências para a população. A gente não sabe o que tem lá em cima (na serra onde funciona o parque solar) porque eles (Enel) não deixam ninguém entrar lá. A gente só sabe que desce essas coisas lá de cima e caem nas nossas nascentes. Lá na minha propriedade pega uma parte do riacho, que desova no rio, e o rio Gurgueia, onde tomo banho. Os dois estão poluídos, a água mudou de cor. Agora é uma água esbranquiçada e amarela, que tem o cheiro horrível . Não tem condições de usar. A gente isolou totalmente depois que começou a aparecer esses problemas", disse Júnior Falcão,
OUTRO LADO
Em nota, a assessoria de comunicação da Enel negou a denúncia dos moradores de São Gonçalo do Gurgueia sobre o despejo de dejetos no rio Gurgueia por parte da empresa. A Enel afirmou manter sistema de tratamento de rejeitos oriundos da obra de construção do parque solar no município e informou que possui uma empresa de consultoria realizando estudo visando melhorar o acesso à água das comunidades próximas à obra.
A Enel Green Power esclarece que não procede a informação sobre despejo de dejetos no rio pela companhia. A empresa mantém um sistema de tratamento dos rejeitos provenientes da obra do parque solar São Gonçalo, o que garante a destinação correta dos resíduos, sem despejo nos rios. A Enel acrescenta que realiza monitoramento periódico da qualidade da água dos rios do entorno da usina, reportando os resultados mensalmente à Semar. A companhia reforça ainda que não há nenhum tipo de resíduo tóxico nas obras da usina.
A Enel ressalta que uma empresa de consultoria especializada está realizando um estudo para melhorar o acesso à água das comunidades próximas ao empreendimento onde houve movimentação de sedimentos, além de uma avaliação do impacto de chuvas futuras (estudo hidrológico/hidráulico), que será utilizada para verificar a necessidade de medidas adicionais para a contenção de sedimentos e outras medidas de proteção do território, além de um levantamento topográfico das áreas impactadas. O detalhamento desses estudos foi apresentado à comunidade durante a 6ª reunião da Comissão de Acompanhamento do Empreendimento - CAE, realizada no dia 18 de fevereiro na Câmara de Vereadores de São Gonçalo do Gurguéia, com a participação de representantes das comunidades e membros do poder público.
A companhia esclarece ainda que está em contato direto com os moradores da região, garantindo água potável para a comunidade de forma contínua e atendimento dedicado por meio do 0800 2853455 e da Ouvidoria Móvel, que conta com um profissional que circula pela cidade de São Gonçalo do Gurguéia em um veículo identificado como Enel.