Blog do Brandão

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NIÈDE GUIDON

Arqueóloga Niède Guidon mudou a visão sobre a pré-história do homem americano

Trabalho de 51 anos no Parque Nacional da Serra da Capivara coloca o Piauí em lugar de destaque nas pesquisas sobre a pré-história nas Américas

Por Luiz Brandão

Sábado - 17/08/2024 às 12:36



Foto: Piauí Hoje.Com O jornalista Luiz Brandão e a arqueóloga Niède Guidon
O jornalista Luiz Brandão e a arqueóloga Niède Guidon

O trabalho da arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon na descoberta e defesa dos sítios arqueológicos e do próprio Parque Nacional Serra da Capivara está consolidado há anos, é reconhecido internacionalmente e colocou o Piauí em um lugar de destaque nos registros da pré-história das Américas.

Nascida em Jaú, interior de São Paulo, Niéde chegou ao Piauí há exatos 51 anos. Segundo ela, em 1963, quando organizou uma exposição sobre arte rupestre no Museu do Ipiranga, em São Paulo, o então prefeito de Petrolina (PE), José de Souza Coelho, em visita à exposição, disse que perto da cidade dele, no Piauí, tinha desenhos como os ali expostos.

A informação despertou a curiosidade da cientista. Ela, então, resolveu investigar e em 1973, depois de uma tentativa anterior frustrada, chegou ao Piauí. Foi direto para São Raimundo Nonato e nunca mais saiu da região. À época, Niède era uma das pesquisadoras do Centre National de La Recherche Scientifique, em Paris.

Para a incursão à Serra da Capivara, Niède levantou recursos, montou uma equipe (pequena, de início), e se embrenhou na caatinga e nos paredões da serra, localizada entre os municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo e Coronel José Dias, no sudeste piauiense.

Com determinação, a arqueóloga e sua equipe escavaram, descobriram e documentaram centenas de sítios arqueológicos com pinturas rupestres e outros materiais que comprovam a presença do homem na região há cerca de 50 mil anos. Niède defende a tese de que o Homo sapiens deve ter vindo da África pelo mar, atravessando o Atlântico.

As pinturas rupestres pesquisadas e documentadas por Niède e sua equipe mostram desenhos de animais, cerimônias, representações de caça, luta e até da vida sexual desses antigos povos americanos. Ao todo, são 940 sítios arqueológicos situados nos paredões de pedras do parque da Serra da Capivara.

O trabalho de Niéde foi decisivo para que o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, fosse reconhecido como o maior e mais antigo conjunto de artes rupestres das Américas. A arqueóloga afirma que perdeu as contas de quantas pessoas ajudaram-na no trabalho desenvolvido na unidade de conservação e nas escavações para a descoberta de importantes registros históricos da humanidade na caatinga.

É indiscutível que as pesquisas e outras ações de Niède também contribuiram para o desenvolvimento socioeconômico da população do entorno do parque. Ela fomentou a construção de escolas, incentivou o turismo, abriu uma fábrica de cerâmica e transformou as mulheres, donas de casa da região, em "guardiãs do parque", como ela mesma chama.

As escavações, pesquisas e descobertas de Niède Guidon levaram-na a questionar, nos anos de 1980, a Teoria de Clóvis, segundo a qual o Homo sapiens teria chegado ao continente americano há 12 mil anos, pelo Estreito de Bering. Niéde garante ter encontrado vestígios humanos de 32 mil anos atrás na Serra da Capivara. Os vestígios mais antigos de habitantes das Américas remontam a 50 mil anos e teriam vindo da África.

A arqueóloga também foi responsável pela criação da Fundação Museu do Homem Americano - Fumdham, instituída para divulgar a importância do patrimônio cultural deixado pelos povos pré-históricos na região. O museu guarda relíquias e serve de modelo para trabalhos em diversas áreas do conhecimento. Hoje, o Parque Nacional da Serra da Capivara é conhecido mundialmente.

Aposentadoria

Prestes a completar 92 anos (12 de março), a professora Niéde Guidon, agora, se diz aposentada. A maior parte da vida dela foi de dedicação ao trabalho em defesa do Parque Nacional da Serra da Capivara, criado oficialmente dia 5 de junho de 1979 e declarado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco, em 1991, por seu valor cultural e histórico.

Recolhida em sua casa, construída nos fundos da Fundação Museu do Homem Americano - Fumdham, Niède atualmente dedica parte do seu tempo a alguns hobbies, como jogar cartas, dominó e assistir partidas de tênis, seu esporte predileto. A casa onde vive integra-se à paisagem local e tem lugares especiais para seus gatos e outros animais de estimação.

Visita

No final do mês julho (dia 27.07.2024) a famosa arqueóloga recebeu a visita da superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, no Piauí, Teresinha Ferreira, do jornalista Luiz Brandão, do engenheiro florestal Lucas Brandão e da psicóloga Milena Albuquerque.

Durante a visita, Niède concedeu uma rápida entrevista ao jornalista. Falou da sua história, de como chegou na Serra da Capivara e do trabalho desenvolvido para escavar, encontrar e documentar os sítios arqueológicos e fósseis presentes na área do parque que ajudou a criar.

Na oportunidade, Niède falou das dificuldades de acesso ao local na época em que começou as pesquisas. Falou também das ameaças que sofreu, da escassez de água e da falta de apoio dos governos. Mas destacou o apoio que recebeu da população, que segundo ela, compreendeu a necessidade de defesa do parque e se uniu para isso.

Niède diz que valeu a pena sua luta, porque fez o "que tinha de ser feito". Ela acredita que, agora, sob responsabilidade de órgãos como o IPHAN e ICMBio, a preservação do patrimônio histórico e cultural da humanidade está garantida. "Agora tem o IPHAN e o ICMBio e eu não preciso fazer mais nada", disse a arqueóloga.

Ali, do lado, assistindo a conversa com os visitantes e a entrevista, estavam as também arqueólogas e professoras doutoras Gisele Daltrini Felice e Anne Marie-Pessis. Gisele é professora de métodos e técnicas em arqueologia (UNIVASF). Anne-Marie é professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atual diretora da Fumdham. Ela trabalha com Niède na área do parque desde 1982.

A seguir, trechos da entrevista de Niède Guidon ao jornalista Luiz Brandão:

Onde fica

O Parque Nacional Serra da Capivara é uma unidade de conservação e de proteção integral à natureza que ocupa uma área de mais de 100 mil hectares entre os municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias. Esta área tem a maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América.

Situado no sudeste do Piauí, região do semiárido nordestino, com fauna e flora específicas da caatinga, o parque é tombado como Patrimônio Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico pelo Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, e foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1991, por seu valor cultural e histórico.

Luiz Brandão

Luiz Brandão

Luiz Brandão é jornalista formado pela Universidade Federal do Piauí. Está na profissão há 40 anos. Já trabalhou em rádios, TVs e jornais. Foi repórter das rádios Difusora, Poty e das TVs Timon, Antares e Meio Norte. Também foi repórter dos jornais O Dia, Jornal da Manhã, O Estado, Diário do Povo e Correio do Piauí. Foi editor chefe dos jornais Correio do Piauí, O Estado e Diário do Povo. Também foi colunista do Jornal Meio Norte. Atualmente é diretor de jornalismo e colunista do portal www.piauihoje.com.
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