Nos últimos meses, o Piauí voltou aos holofotes pela alarmante subida dos casos de violência contra a mulher: entre 1º e 6 de agosto de 2025, foram registrados 301 boletins de ocorrência ligados a agressões, uma média de 50 por dia.
No mesmo período em que crescem os números de agressões, ganha visibilidade nas redes sociais e fóruns digitais o movimento Red Pill — uma ideologia misógina, que defende um suposto “despertar” dos homens para a “realidade” das relações de gênero, promovendo a ideia de que homens teriam sido prejudicados pelas mudanças sociais e pela ascensão dos direitos das mulheres.
O que dizem os Red Pills?
O termo “Red Pill” — ou pílula vermelha — surgiu originalmente no filme Matrix (1999). Na obra, tomar a pílula vermelha significa “despertar” para a verdade oculta do mundo. Com o tempo, grupos online masculinos apropriaram-se dessa metáfora para criar sua própria narrativa: a ideia de que os homens estariam vivendo “enganados” pelas transformações sociais, especialmente relacionadas ao feminismo.
Para os adeptos, tomar a “pílula vermelha” significaria “acordar” para uma realidade em que, segundo eles, os homens perderam espaço — seja nas relações afetivas, no mercado ou socialmente. Defendem valores como masculinidade tradicional, hierarquia de gênero e criticam o que chamam de “excesso de privilégios femininos”. Mas críticos alertam: por trás desse discurso há uma narrativa reducionista e hostil, que invisibiliza a complexidade das relações de gênero, legitima o machismo, e muitas vezes retrata as mulheres como manipuladoras ou “ameaças” à masculinidade.
Quando o discurso vira violência — exemplos reais
Não se trata apenas de ideias: há casos concretos de seguidores desse tipo de discurso que extrapolaram o mundo virtual. O influenciador brasileiro Thiago Schutz, por exemplo, que se apresentava como “coach de masculinidade” e mantinha um canal chamado “Manual Red Pill Brasil”, foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) por ameaça e violência psicológica contra mulheres que o criticaram. Além disso, Schutz voltou às manchetes recentemente ao ser preso por agredir a própria namorada, em São Paulo. Segundo o boletim de ocorrência, a vítima relatou ter sido alvo de tapas, chutes, puxões de cabelo, além de tentativa de estupro, com lesões confirmadas pelo IML. O caso, amplamente divulgado, reforça o alerta de que figuras influentes da chamada machosfera podem transformar suas narrativas de ódio e controle em ações violentas fora da internet.
Piauí e o risco do contexto local
No Piauí, o cenário é especialmente preocupante: o recente aumento dos registros de violência de gênero sugere que estruturas de ódio e machismo, acentuadas por discursos como os da machosfera e Red Pill, podem encontrar solo fértil. A existência de programas como o do Ministério Público do Estado do Piauí (MPPI), que oferecem apoio a vítimas e dão seguimento a medidas protetivas, demonstra a urgência de ampliar a conscientização e respostas sociais ao problema.
A Secretaria das Mulheres do Piauí
A Secretaria de Estado das Mulheres do Piauí tem intensificado ações de prevenção e orientação diante do crescimento de influenciadores e canais digitais que disseminam discursos misóginos. Em entrevista à reportagem, a secretária Zenaide Lustosa destacou que o ódio às mulheres tem crescido significativamente no estado e no país, e está diretamente relacionado ao patriarcado e ao machismo. Segundo ela, esses discursos não são apenas ideológicos: eles se tornaram um negócio rentável nas plataformas digitais. Ou seja, o incentivo ao ódio contra mulheres passou a gerar lucro para quem produz conteúdos, ampliando o alcance e a influência desses discursos.
A secretária também ressaltou que meninas e adolescentes são mais suscetíveis a esses ataques online.
Para as meninas —principalmente as meninas— que se tornam suscetíveis a esse tipo de ataque, a gente tem visto a exposição, inclusive, de crianças e adolescentes que nós não podemos silenciar. Procure ajuda.
A importância de questionar e denunciar
Profissionais de saúde mental e direitos humanos reforçam que discursos agressivos nas redes, por mais “inofensivos” que pareçam, funcionam como porta de entrada para comportamentos radicais. A orientação é desconstruir estereótipos, promover educação de gênero e estimular a denúncia.
O Piauí dispõe de delegacias especializadas, da Central de Acolhimento, do canal "Ei, mermã, não se cale!" (0800 000 1673) e da Central de Atendimento à Mulher (180), que oferecem orientação com psicólogas e assistentes sociais. A secretária também destaca medidas de proteção digital, como guardar provas, evitar respostas diretas a ataques e reforçar a segurança de contas em redes sociais, e-mail e WhatsApp.
Quando você silencia, você silencia não só a você, mas a outras mulheres, e na maioria das vezes o silêncio mata, o silêncio nos mata. Então a importância é de procurar a proteção do Estado para que não venha essa violência.
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