A história viva da música brasileira soou como um canto de despedida e celebração em Fortaleza (CE). Gilberto Gil, um de nossos maiores artistas, realizou no sábado, 15, no Centro de Formação Olímpica (CFO), o primeiro de dois shows da turnê "Tempo Rei", que marca sua aposentadoria dos palcos. Com a casa lotada e ingressos esgotados, o público testemunhou um momento histórico: o início do adeus de um ídolo cuja carreira de mais de 60 anos é inseparável da própria identidade cultural e política do Brasil.
Aos 83 anos, Gil segue os passos de outro gigante, Milton Nascimento, que também anunciou sua aposentadoria recentemente. A turnê "Tempo Rei" não é apenas uma retrospectiva, mas a celebração de um legado que moldou gerações.
Para a biomédica Kezia Silva, 36, presente ao show, o momento era carregado de significado. "Para mim é um privilégio prestigiar um momento dessa importância. O Gil fez parte da minha infância, ouvia com meus pais e formou meu gosto musical", compartilhou, ao lado de Dhemetryus Silva, 38.
Música como resistência
O repertório, que perpassou sucessos marcantes de suas mais de seis décadas de estrada, foi mais que uma coletânea de hits; foi uma aula de história cantada. Canções que retratam a transformação da sociedade brasileira foram entoadas com energia e emoção pelos cearenses, mostrando a profundidade da conexão do artista com o povo.
Um dos momentos mais intensos da noite foi a performance de "Cálice", composta em parceria com Chico Buarque durante o período mais sombrio da ditadura militar. A exibição de um vídeo de Caetano Veloso na tela gigante potencializou a canção, e o público gritou em coro "sem anistia", enquanto imagens de presos e desaparecidos políticos, como Rubem Paiva, eram projetadas. Foi um instante poderoso que reafirmou a música de Gil como um instrumento permanente de denúncia e resistência contra as injustiças sociais e a opressão.
Gil ao 83 anos com muita luz e sucesso no palco O legado de um "Tempo Rei"
A importância de Gilberto Gil, membro da Academia Brasileira de Letras -ABL, transcende o âmbito musical. Ele foi um dos pilares do Tropicalismo, movimento que revolucionou a cultura nacional nos anos 60, desafiando padrões estéticos e comportamentais e enfrentando a censura da ditadura. Sua trajetória é marcada pela luta pela liberdade de expressão, pela diversidade cultural e pelos direitos sociais. Mesmo tendo servido como Ministro da Cultura (2003-2008), sua voz sempre foi a de um artista comprometido com as causas do povo.
No CFO, famílias inteiras, grupos de amigos, jovens, idosos e crianças acompanharam, atentos e emocionados, uma das últimas apresentações ao vivo do artista. O show começou pontualmente às 21h, levando a plateia ao delírio já nos primeiros acordes de "Palco" – uma metáfora perfeita para uma vida dedicada aos palcos.
A turnê "Tempo Rei" é, portanto, o epílogo de uma carreira monumental. É o fechamento de um ciclo para um homem que soube, como poucos, usar sua arte para celebrar a alegria, questionar o presente e inspirar a construção de um futuro mais justo e livre. Gilberto Gil deixa os palcos, mas seu legado continuará a ecoar, um "Tempo Rei" que permanecerá para sempre na alma do Brasil.
Gil com seu grande parceiro e "irmão" Caetano Veloso, que apareceu num telão no show em Fortaleza
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