Proa & Prosa

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Ana Carneiro, Ana Clarinda, Ana Cazé

Três delas me foram mais chegadas e mais delas me vêm neste reponto de verde memória.

Fonseca Neto

Quarta - 26/05/2021 às 08:33



Foto: Divulgação Santa Ana ensinando a virgem ler
Santa Ana ensinando a virgem ler

Na minha terra de quando criança tinha muita menina Ana. Muita mãe Ana, vó Ana. Donana. A propósito: no dia que eu vim ao mundo uma Ana também veio. 

Três delas me foram mais chegadas e mais delas me vêm neste reponto de verde memória.  

De dona Ana Carneiro nasci ao lado, casas rústicas, quintais geminados. Dizia minha mãe e também lembro que foi meu xodó primeiro, primeiro nome que pronunciei: Nana. A bença Donana...! Até grande o fiz.  

Ana Carneiro, ou Carneira, tinha esse sobrenome, do marido, Adão, vaqueiro bem situado com quinta e curral. À porta de sua casa não faltavam gado lambendo algum sal pela calçada, vaqueiro e tropeiro em diversa função. 

Boa vizinhança com eles à rua Grande, Joaquim Távora: tinham leite bastante em casa, e o meu, mugido, uma caneca, era-me dado toda manhã por ela, cedinho, pela fresta da cerca de faxina, rala... Quanto benquerer de vizinhança. Quanto tenho saudades dela. 

Dona Ana Clarinda era mais recolhida – também a alcancei já ela pelas oito décadas. em idade avançada, das mais conhecidas da dita rua Grande da minha nascença, Joaquim Távora. 

Ana Clarinda ou Ana da Clarinda, conforme o costume do sertão de se dizer, fulano de fulano, ou de fulana. Ana era filha de Clarinda, esposa de Manoel, que por isso o chamavam de Manoel da Clarinda, ou Manoel Clarindo, no correr do tempo. Clarinda e  Manoel tiveram José, Rosendo e Raimunda, a Mundica.

Já no tempo que alcancei, Ana Clarinda era aplicada à sua almofada de bilros bordando  peças rendadas, já velhinha, babatando, quase sem enxergar. Vagamente acho que não desapegava de seu cachimbo... E mais conhecida como mãe do tabelião da cidade, José Soares de Almeida, o Zé Clarindo, carregado de 12 filhos.  

Ana Clarinda, registrada Ana Ferreira Gomes, viveu seus últimos anos e dias, sob as vistas da filha Mundica, dedicada ao mundo da costura, pois famosa naquele tempo (anos 1960) por possuir a única “máquina” de cobrir botões da cidade. Ganhava seu dinheirinho fazendo essa parte da arte de costureiras e alfaiates da cidade. 

Pois exatamente uma alfaiata era nossa Ana Cazé, famosa moradora da rua do Grajaú: Ana Lopes – de registro – costureira de roupa de homem, artefatos com pano de toda grossura. Muito popular na cidade, justamente porque costurava para o povão: calças, camisas, calções e cuecões que depois se chamariam de “samba canção”. Empregados de casas de ricos passavam para casa dela empunhando cabides com ternos e coletes de paletós para consertar.  

O ateliê de costura era a sala principal de sua casa: lembro dela habitando três casas nessa extensa rua, lá embaixo: uma, onde hoje é a sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais; defronte a esta, numa casinhola demolida para fazer a casa chic de Noguinha, agora morada de Rosângela e Guimarães; por último – quando vim para Teresina – ela morava numa feita por seu marido João da Ana Cazé, de frente para o Estado do Paraná – hoje dos herdeiros de Judite e Mulatinho. 

Por que remexer esses paióis da memória? Todos temos fardos e fardos dessas memórias. Por que não contar essas lembranças? Como diz o amigo Luiz Braga, neto de Ana Cazé, que tem justo orgulho da avó, é preciso devolver ao palco da História figuras amadas que serviram ao mundo e que não permitamos que o esquecimento seja delas uma segunda sepultura.

Nunca vou esquecer da vergonha que ficava na frente dela, já meninão, nu, para experimentar calções e calças curtas: menino só usava cueca já rapaz. Quem conhece a neta dela, também Ana, do Pedro Braga, tem um exemplo do espirituoso jeito que Ana Cazé deixava em todos. Uma graça.   

Dona Ana Cazé era conhecida por outras qualidades: jeito de mulher que viveu um “tempo além de seu tempo”, como se diz. Nunca levou desaforo pra casa. Por isso se dizia baixinho que era “brava”. Nada disso. Era autêntica, nunca permitiu que homem mandasse nela. 

Mas a Ana mais idosa da Passagem era Vasco. E até o vigário tinha sua Ana, do Padre. 

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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