Daqui a pouco mais de um ano, em 12 de setembro de 2025, completam-se 100 anos do nascimento de Petrônio Portella Nunes, morto em 1980 quando era ministro da Justiça e após ser um dos condutores do processo de anistia e da abertura política que resultaria, em 1984, na escolha de Tancredo Neves como presidente da República, pondo fim a uma ditadura militar de 21 anos e abrindo caminho para o mais longo período democrático da história republicana brasileira.
Faço registro tão antecipado assim do centenário de Petrônio Portella porque quero crer que seja ele, em 2025, ano de seu centenário, alvo de muitas celebrações ou mesmo de críticas. Mas também é conveniente lembrar que ele foi advogado bem antes de se tornar o mais importante homem público do Piauí na segunda metade do século XX e um dos mais proeminentes líderes políticos do país no mesmo período.
Dez anos atrás, em texto denominado “O advogado Petrônio Portella”, discorri sobre a formação acadêmica desse político que no final da década de 1940 formou-se em Direito pela Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro e que no começo da década seguinte dividia o tempo entre a Advocacia em Teresina e o início de uma carreira política que faria dele deputado estadual, prefeito da capital piauiense, governador e senador.
Dono de um raciocínio límpido, Petrônio Portella dizia não agredir os fatos. A frase foi dita no âmbito das críticas quanto à derrota do partido de sustentação do governo militar em 1974, quando ele presidia a agremiação. A frase ajuda a entender, por exemplo, o modo como o governador do Piauí, dez anos antes, deixou o campo defensor da legalidade (a manutenção do presidente João Goulart) para a ordem que se instalara com a deposição do mandatário.
Um texto acadêmico intitulado “O soldado e o intelectual: um estudo sobre a trajetória política de Petrônio Portella” explica bem como um advogado piauiense formado no Rio de Janeiro ocupou uma enormidade de espaço de poder no Brasil entre 1964 e 1980, quando morreu no auge de sua carreira.
Segundo os autores desse texto, Daniel de Albuquerque Bahiense e Renato Luís do Couto Lemos Neto, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Petrônio Portella foi “um intelectual colaborativo, ou seja, alguém que contribuiu para a formulação do repertório tático-estratégico do regime, especialmente quando da decisão por descomprimir a ditadura”
O termo “descomprimir” a ditadura exprime bastante a capacidade de Petrônio Portella como negociador hábil – quem sabe resultado de sua condição inicial de advogado, o que pode justificar ainda, conforme os já citados autores, sua capacidade de moldar “sua carreira conforme os desdobramentos dos episódios políticos de grande expressão que atravessaram o seu tempo”.
Neste sentido, é sempre bom lembrar que Petrônio Portella era um homem ligado mais ao diálogo com a força de palavra, não como a força enquanto palavra de ordem. É conhecido o se esforço para garantir que a civilidade prevalecesse num Brasil onde havia limitações ao seu exercício – tanto assim que, como lembra o site do Senado, a morte dele, em 6 de janeiro de 1980, deixou a redemocratização do Brasil em suspenso, mas ele tinha feito um grande trabalho e a abertura seguiu a trilha por ele iniciada.
De Petrônio Portella sempre haverá lições a serem tomadas e aprendidas, seja pelo caráter de exemplo do que fez, seja pelo senso de oportunidade de fazer o que é devido realizar nas condições possíveis daquilo que se pode fazer, como, por exemplo, de sua passagem pela Presidência do Senado, durante um período em que o Congresso estava comprimido pela ditadura, o que o levou a modernizar a Casa, fundando o Prodasen — centro de processamento de dados que tornou o Senado uma das primeiras Casas legislativas do mundo a entrar na era da informática.