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REDES SOCIAIS

O detox virtual

Decisão da Meta, com discurso em favor da liberdade de expressão, ancorado na possibilidade de que se cometam crimes, é preocupante

Por Álvaro Fernando Mota

Quarta - 15/01/2025 às 15:57



Foto: Marcelo Brandt/G1 Mulher observa o celular na avenida Paulista, em São Paulo
Mulher observa o celular na avenida Paulista, em São Paulo

A semana – e o ano – começa sob o impacto da decisão do dirigente da Meta, Mark Zuckerberg, de seguir a trilha do X (ex-Twitter) de pôr fim à verificação independente para coibir ou mitigar postagens falsas ou com conteúdos de ódio, sejam a quais públicos se dirigirem.

O dirigente da controladora das redes Facebook, Instagram e Threads alega em seu favor que verificadores de fatos tendem a cometer censura – o que para muitos é mera desculpa para deixar a coisa correr frouxa, garantindo às redes da Meta aumento de ganhos financeiros - porque a replicação de coisas ruins é sempre maior que de coisas boas, conforme vários estudos disponíveis.

O CEO da Meta disse: "É hora de voltar às nossas raízes em torno da liberdade de expressão. Chegou a um ponto em que há muitos erros e muita censura. Estamos substituindo os verificadores de fatos por 'notas da comunidade', simplificando nossas políticas e nos concentrando na redução de erros", num discurso em que enxergou "tribunais secretos" na América Latina – sem apresentar provas da existência dessas cortes secretas.

A decisão de uma empresa transnacional em linha com um discurso em favor da liberdade de expressão, ancorado na possibilidade de que se cometam crimes, é de fato preocupante. Há o risco de que a internet se transforme não somente em terra de ninguém, mas em um espaço em que se incentivem e se pratiquem crimes sem que haja possibilidade de punir os responsáveis ou, pior que isso, com a possibilidade real de que se naturalize as ações criminosas.

O fim da verificação independente sobre conteúdos, entendido por pessoas da estirpe de Mark Zuckerberg como um basta à censura, torna ainda mais frágeis os mecanismos de controle das redes sociais – necessárias para que se evite a propagação de ideias extremistas, de ódio e de incentivo a desafios estúpidos que levaram jovens à morte. A difusão de jogos de azar, que viciam e drenam as parcas economias de gente muito pobre, entra nesse pacote de uma internet desregulada e sem verificação independente.

Neste rumo, parece adequado apoiar as iniciativas legislativas em todo o mundo que proíbem o uso de smartphones e tablets com acesso a internet por crianças e jovens, notadamente no ambiente escolar. Adultos podem fazer sua parte reduzindo eles mesmos seus acessos às mídias sociais. Trata-se de esforço necessário a uma desintoxicação midiática, um detox de redes sociais - que sem audiência podem repensar suas decisões de ganhar muito dinheiro em uma Babel de ódio e desinformação.

Limitar ou mesmo proibir o acesso de jovens e crianças a aparelhagem que permita acesso à internet em ambiente escolar e fazê-las usar livros para pesquisas já tem sido evidenciado como medida positiva em vários países. Haveria ganhos de cognição com o uso de livros para consulta. Dicionários e enciclopédias impressos são, as pesquisas evidenciam, bons elementos de redução da dependência de tela e melhoria da cognição de estudantes infantojuvenis.

Se as redes sociais, por falta de regulação e moderação independente, se transformam em um ambiente pernicioso – e cada vez menos confiável – é dever de adultos responsáveis (pais, avós, tios, professores) estar em linha de frente para que cada vez mais se reduza o acesso àqueles espaços. Interação pessoal, pesquisas em livros, aulas em ambientes naturais, passeios e conversas em família podem ser elementos importantes neste contexto em que a internet está se transformando em uma espécie de beco escuro e perigoso.

Muitos haverão de lembrar que as redes sociais podem ser bem usadas, o que é verdade, mas é sempre razoável que se rememore o risco de as pessoas serem atraídas por mensagens inadequadas, que espalham desinformação, que propagam ideias políticas extremistas, que difundem práticas deletérias. Se as redes se imiscuem das responsabilidades de uma ponderação independente de seus conteúdos, às pessoas sempre caberá o livre arbítrio de deixarem de usar esse tipo de serviço, considerando o risco que eles representam para a saúde física e mental das pessoas, bem assim para a sustentabilidade de sistemas políticos não opressivos.

Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado. Procurador do Estado. Ex-Presidente da OAB-PI. Mestre em Direito pela UFPE. Doutorando em Direito pela PUC-SP. Ex-Presidente do CESA-PI e atual Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses – IAP.

Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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