Nos anos 1960, Caetano Veloso escreveu a letra da canção "É proibido proibir", que estava de acordo com o espírito do tempo em que ele a compôs - o movimento de contracultura, que no Brasil se pode traçar a partir da própria perspectiva do compositor baiano ao ser um dos protagonistas do Tropicalismo. Mas o tempo que constrói e reconstrói tratou de colocar que é proibido proibir, mas em termos.
Nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça construiu um entendimento segundo o qual A possivel atribuir efeitos extraterritoriais à decisão da Justiça brasileira que determina ao provedor de internet a retirada de conteúdo considerado ofensivo. A decisão vem na esteira de uma série de esforços legais e institucionais de regular mídias sociais, proibir uso de telefones celulares em escolas, disciplinar, enfim, a utilização da tecnologia da informação, não como medida antidemocrática, mas como mecanismo protetivo a interesses públicos.
No Supremo Tribunal Federal, quatro ações buscam o estabelecimento de mecanismos proibitivos às empresas de tecnologia, mas garantistas aos cidadãos: a primeira discute a responsabilidade de redes sociais por informações difundidas por elas; a segunda trata da retirada de material ofensivo sem que isso se possa configurar censura prévia; a terceira está relacionada a quebra de sigilo telemático dos aplicativos de mensagem; e quarta dá conta de bloqueios de aplicativos.
É um argumento legítimo aquele dos que colocam a possibilidade de risco às garantias e liberdades individuais certas decisões judiais, esforços institucionais e marcos regulatórios em lei que tratam do uso da tecnologia da informação - notadamente de redes, aplicativos de mensagens e outros mecanismos de comunicação tecnologicamente mediada.
O temor mais comum é o de um risco à liberdade de expressão ou de controle do estado sobre o que as pessoas falam ou assistem, compartilham ou difundem. Faz sentido na medida em que na primeira metade do século XX e em parte da sua segunda metade o mundo assistiu a governos autoritários controlando o que as pessoas falavam, viam e ouviam mediante o exercício de força sobre as mídias e a cultura. Em boa parte do mundo isso segue sendo uma realidade.
Contudo, é fundamental a compreensão de que, da mesma maneira que o estado, constituído e mantido pela sociedade, não pode ter controle absoluto sobre a livre circulação de ideias, não podem as grandes corporações de mídia e tecnologia da informação agir conforme sobre próprias regras. E compreensível como opressivo a concentração do poder de decidir sem que os entes nacionais possam agir em garantias dos direitos dos cidadãos.
O que se precisa, assim, é avançar rumo a consensos sobre os limites da legislação e os limites das empresas de agir por si mesmas sem a interferência das leis. Se hoje as grandes corporações de tecnologia da informação e mídia se queixam de ações restritivas tomadas com o fito de proteger as pessoas, devemos lembrar que essa sempre foi uma manifestação comum tanto no Brasil quanto no resto do mundo. O exemplo das leis restritivas a tabaco é um dos melhores, porque os efeitos deletérios do fumo sobre a saúde das pessoas mostraram que as medidas eram necessárias.
Se atualmente é consenso que a proibição de propaganda de cigarros e a restrição máxima ao seu consumo concorrem para menos adoecimento, do mesmo modo se poderá chegar a termos quanto à falsa percepção de que avançar em regulação e limitações a uso de redes e telefones celulares não é um ato antiliberdade, um ato de proibir por proibir, mas a construção de mecanismos institucionais e legais que assegurem direitos e garantias das pessoas, que respeitem as diversidades e individualidades e que avancem no sentido de reduzir danos, não de ampliá-los a ponto de causar um adoecimento social.