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A naturalização democrática

Lula é possivelmente o exemplo mais conhecido dessa capacidade de um político ressurgir como fênix

Alvaro Mota

Sexta - 08/11/2024 às 13:19



Foto: Reprodução/google Fênix
Fênix

Heráclito Fortes, prefeito de Teresina entre 1988 e 1992, senador pelo Piauí entre 2002 e 2010, é um frasista conhecido. Uma frase dele muito conhecida é a de que fundo de poço de político tem mola; outra dá conta de que se uma pessoa joga pedras para cima, fatalmente será atingido por elas e uma terceira indica que a democracia é boa quando vira rotina sem percalços a rotatividade de governantes, sem que isso seja motivo de alegrias desmedidas.

As três frases guardam entre si uma relação de que a política deve ser espaço para disputas civilizadas entre adversários, não um teatro de guerra para produzir inimigos, que precisam não ser derrotados, mas eliminados. No sistema democrático, um político pode ser sucessivamente derrotado e vencer após muitos reveses – e isso dá conta da normalidade democrática que pode parecer modorrenta.

O atual presidente brasileiro é um desses exemplos de aplicabilidade da frase de Heráclito Fortes sobre a mola no fundo do poço do político. Antes de ser eleito duas vezes seguidas presidente, em 2002 e 2006, Lula perdeu três eleições presidenciais – em 1989, em 1994 e em 1998. Depois de deixar a Presidência, elegendo sua sucessora, amargou mais de 500 dias de prisão no âmbito de um processo controverso – e, livre por decisão do STF, elegeu-se novamente presidente.

Lula é possivelmente o exemplo mais conhecido dessa capacidade de um político ressurgir como fênix, mas há tantos outros, inclusive fora do Brasil, como o caso de François Mitterrand. Presidente francês, que antes de ser eleito em 1981, perdeu três disputas presidenciais. Então, a possibilidade do triunfo após sucessivos reveses somente é possível em clima de normalidade democrática, aquela que pode fazer a pessoa bocejar, mas que é exatamente o tipo de sistema político mais adequado - o pior deles, excluídos os demais, nas palavras de Winston Churchill.

Mas esse sistema que pode parecer modorrento, sem graça, tem sido cada vez mais postos em cheque por forças políticas cujo objetivo parece ser exatamente o de trocá-lo por algo que pode ser bem pior. Uma aventura que em outras épocas e experiências, se sabe ter resultado menos em progresso civilizatório e mais em dor e sofrimento, além de perdas econômicas bastante significativas.

O ponto, então, é o de que a democracia somente pode ser mantida, fortalecida e ampliada se permitir não somente a naturalização das escolhas, das derrotas, das vitórias. É fundamental que o sistema democrático torne a Justiça um sistema de arbitragem mais eficiente e célere; que leve o Legislativo a ser menos afeito buscar interesses pontuais e a fazer seu trabalho de permanente fiscalização; que fortaleça o Ministério Público e, sobretudo, garanta espaços econômicos e de cidadania a todas as pessoas.

O ir e vir de um político, ou seja, usar a mola no fundo do poço para voltar à superfície, em um contexto de normalidade democrática, consiste em que suas propostas são melhores para manter ou ampliar os avanços civilizatórios permitidos somente na democracia. Representa que discurso e prática são os mais aceitos pela maioria naquele momento – e que isso não exclui o desejo e os interesses da minoria. No sistema democrático, atender ao máximo de pessoas não é favor, mas obrigação.

Neste sentido, é realmente um alívio que tenhamos saído da última eleição mais ou menos nos pontos do frasista Heráclito Fortes: com as molas no fundo do poço funcionando; com menos gente atirando pedras para o alto, mas sim fazendo um discurso conciliatório e com as eleições sendo respeitadas, com vitórias e derrotas aceitas pelas partes em disputa – com menos festa e mais uma naturalização do processo, ou seja, com a democracia prevalecendo como regra, não como exceção, como rotina, não como excepcionalidade.

Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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