A Constituição brasileira de 1988 deu passo firme e definitivo para que brasileiros menores de idade – crianças e adolescentes – passassem a ser mais protegidas, sendo sujeitos de direitos. O artigo 227 da Carta é garantidor dos direitos das crianças e dos adolescentes como absoluta prioridade.
Além disso, a Constituição proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.
O artigo 227, abriu o caminho à instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trazendo um olhar novo acerca da infância e adolescência, rompendo com o modelo punitivista do Código de Menores que vigorou durante o Regime Militar. Propôs que a lei se digne a recuperar mais e a punir menos.
O dispositivo constitucional é percebido por especialistas dos direitos de crianças e adolescentes como um resumo bastante preciso da Convenção sobre os Direitos da Criança, que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou e foi ratificado por 196 países em 1989, um ano após a recém promulgada Constituição brasileira.
No entanto, todo o arcabouço legal protetivo à criança e ao adolescente não dá conta de evitar que a haja completa e permanente prioridade tanto na sociedade quanto no Estado para acolhimento de demandas e necessidades desse público cidadão, bem assim de se mitigar ações que venham a ferir ou confrontar direitos assentados tanto na Constituição quanto na legislação infraconstitucional.
Dois exemplos recentes deste tipo de situação de desrespeito ou abalroamento de direitos de crianças e adolescentes nos chegam por meio de um relatório de em entidade paragovernamental e de um entendimento recente do Supremo Tribunal Federal.
No primeiro caso, o relatório “Esporte, Dados e Direitos: O uso de reconhecimento facial nos estádios brasileiros”, divulgado pelo grupo O Panóptico, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), verifica que, têm sido colhidas imagens de crianças e adolescentes em estádios, a despeito de haver um acordo entre o Ministério da Justiça e a Confederação Brasileira de Futebol.
A captura de imagens para reconhecimento facial de pessoas menores de idade contraria tanto a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – já que tal prática é vedada se não realizada com os devidos tratamentos e autorização.
Ora, em razão de a norma legal prever tratamento diferenciado de crianças e adolescentes quanto à biometria, o relatório aponta que o não seguimento da lei em estádios que têm a tecnologia de reconhecimento facial confronta um direito dessas pessoas.
No segundo caso, temos um entendimento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre impedir o retorno de uma criança à sua residência habitual em face de isso oferecer danos à saúde do menor. A decisão se deu em face a habeas corpus.
O entendimento, com efeito, respeitou o direito mais amplo – o de que para o bem-estar da pessoa menor deve ela retomar o convívio familiar – mas ponderou sobre um aspecto especialíssimo de risco pontual. Assim, tal decisão colocou a criança em primeiro lugar – do mesmo modo como agiram os autores do relatório já citado ao chamar atenção para o risco do uso de imagem capturada de crianças e adolescentes.
Nos dois casos cabe lembrar que eles seguem o preceito fundamental disposto no artigo 227 da Constituição Federal: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”