É o que eu acho

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E O QUE ACHO

Foi golpe. Com o Supremo, com tudo

Passados quase sete anos daquele domingo, 17 de abril, há a percepção geral de que Dilma jamais praticou corrupção, embora a mídia permanecesse muda

Fernando Castilho

Terça - 07/02/2023 às 16:30



Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil O Golpe
O Golpe

Dilma seria defenestrada pelo poder devido a um crime de responsabilidade inventado de última hora, as tais pedaladas fiscais que não significaram apropriação indevida de recursos. NÃO HOUVE CORRUPÇÃO!

O que deputados e senadores queriam de fato era espaço para eles próprios praticarem a corrupção, já que Dilma fechara as comportas do dinheiro ilegal. Era preciso estancar a sangria.

Domingo, 17 de abril de 2016, um dos dias mais vergonhosos da história do Brasil.

Foi nesse dia que a Câmara, abarrotada de deputados, votou o impeachment de Dilma Rousseff.

Vimos com indignação, vergonha e horror, parlamentares citarem a família, a esposa, os filhos, o cachorro, o papagaio para darem seus votos a favor da derrubada da presidenta.

Não faltou, claro, o voto do então deputado Jair Bolsonaro que prestou homenagem ao maior torturador do país, aquele mesmo que torturou Dilma barbaramente, o coronel Brilhante Ustra.

Voltando mais ainda no passado, uma conversa telefônica gravada do então senador Romero Jucá com um empresário expunha como as coisas eram tramadas nas sombras. Jucá afirmava que era preciso tirar Dilma e colocar Temer no poder. Que era preciso estancar a sangria. Que tinha que ser com o Supremo, com tudo, deixando revelar que tinha o apoio dos ministros do STF, embora poupasse o então ministro Teori Zavascki que, segundo ele, não compactuaria com o golpe.

Depreende-se, então, que o ministro Luís Roberto Barroso, indicado pela própria Dilma, também estaria no bolso do colete de Jucá. Mais pra frente, falarei sobre Barroso.

Quem acompanhou todo o processo que começou bem lá atrás em 2013, quando inicialmente pessoas ligadas ao Movimento Passe Livre saíram às ruas para protestar contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus e metrô em São Paulo, viu que o movimento cresceu, impulsionado pela mídia, ganhando as ruas de todo o Brasil e tomou outros rumos e outra significação. Agora o motivo da revolta não seria mais o preço das passagens, mas um descontentamento geral com a presidenta, fazendo com que sua aprovação despencasse de 60 para 30% em apenas um mês. Quero afirmar que o povo, de maneira geral, até maio de 2013, gostava muito do governo Dilma, mas já em junho, o odiava. Salta aos olhos o artificialismo.

A partir daquele ano, os ataques contra Dilma começaram a aumentar e tornaram sua reeleição, em 2014, que parecia favas contadas, bem mais difícil do que se pensava.

Mas, uma vez reeleita, Dilma viu não só aumentarem os ataques, mas também os boicotes à sua administração. O PSDB não reconheceu sua derrota e já em janeiro de 2015, começou a urdir o impeachment. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, trabalhou freneticamente para que nenhum projeto fosse aprovado, amarrando as mãos do governo e criando o clima favorável para o golpe.

Dilma seria defenestrada pelo poder devido a um crime de responsabilidade inventado de última hora, as tais pedaladas fiscais que não significaram apropriação indevida de recursos. NÃO HOUVE CORRUPÇÃO!

O que deputados e senadores queriam de fato era espaço para eles próprios praticarem a corrupção, já que Dilma fechara as comportas do dinheiro ilegal. Era preciso estancar a sangria.

Passados quase sete anos daquele domingo, 17 de abril, há a percepção geral de que Dilma jamais praticou corrupção, embora a mídia permanecesse muda por todo esse período.

Há um ano a Folha de São Paulo publicou um artigo que reavivou aqueles tempos.

O ministro Barroso resolveu escrever um texto para a revista do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) em que defendeu que o motivo real para o impeachment não foram as pedaladas, mas sim, a falta de apoio político. A Folha publicou alguns trechos.

“Creio que não deve haver dúvida razoável de que ela não foi afastada por crimes de responsabilidade ou corrupção, mas, sim, foi afastada por falta de sustentação política. Até porque afastá-la por corrupção depois do que seguiu seria uma ironia da história”.

Em artigo publicado em 2019 no livro Estado, Democracia e Direito no Brasil, Barroso já tinha defendido essa mesma tese.

Ora, se não houve crime de responsabilidade nem corrupção, houve motivo razoável para o impeachment? Por que nossa grande imprensa, após Lula ter declarado que Dilma sofreu um golpe, ainda insiste em não usar esse termo? Por acaso, um presidente afastado sem crime, não configura golpe?

É um equívoco muito grande associar a retirada de um presidente do poder única e exclusivamente a uma ação impetrada por militares, como em 1964.

Será que essa reflexão de Barroso aconteceu porque, somente após alguns anos, ele teve em Jair Bolsonaro um termo de comparação, perto de quem, Dilma é uma madre Tereza?

Será que o ministro já tinha essa opinião em 2016, mas a guardou para si, mesmo tendo sido indicado por Dilma? Uma atitude pusilânime, no mínimo.

Barroso não poderia na época, pelo menos declarar que não havia crime de responsabilidade? Será que sua opinião não poderia ter tido algum efeito sobre os demais ministros?

O Congresso é soberano para decidir sobre impeachments, mas, caso não consiga reunir os elementos necessários para a medida, o Supremo deve intervir, guardião que é da Constituição.

Realmente, Romero Jucá tinha razão. O golpe seria com o Supremo, com tudo.

E foi, com cinismo, com tudo.

E com nossa imprensa, que continua cínica.

Fernando Castilho

Fernando Castilho

Arquiteto, Professor e Escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, A Sangria Estancada
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