O Secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, com um raciocínio técnico e nada político, pensou certo e agiu errado ao baixar um ato normativo. Estabelecer que transações acima de 5 mil reais de pessoas físicas e 15 mil reais de pessoas jurídicas devem ser alvo de relatório para a Receita, a fim de evitar sonegações, assim como funciona com cartões de crédito e débito, é correto. Mas o timing e a maneira como esse ato foi feito foram errados.
O resultado foi uma enxurrada de fake news partindo da extrema direita. As mais graves vieram através de vídeos e tweets de Eduardo e Jair Bolsonaro, que aterrorizaram os usuários do PIX, afirmando que a modalidade passaria a ser taxada como imposto. O rastilho de pólvora se espalhou rapidamente, principalmente entre os informais mais pobres que utilizam muito o sistema.
O governo, sempre em posição defensiva aos ataques mentirosos dos bolsonaristas, tentou esclarecer a população através de vídeos e entrevistas de Barreirinhas a sites e canais progressistas de alcance limitado dentro da bolha. Não funcionou.
Então, aí está o pecado original que resultou na maior lambança deste terceiro governo Lula.
Barreirinhas deveria ter discutido com Haddad uma estratégia de comunicação ao povo sobre as medidas a serem implementadas. Espero que não o tenha feito, pois, caso Haddad tivesse conhecimento disso, o erro passa a ser dele também. E isso seria gravíssimo, uma vez que se espera do ministro raciocínio político.
Enquanto Haddad e Barreirinhas se esforçavam em inócuas tentativas de explicação, Nikolas Ferreira fez um vídeo que, por incrível que pareça, continha uma possível verdade: o governo não taxou o PIX, mas passou a estabelecer um controle sobre as transações, e isso poderia no futuro se transformar em imposto.
O vídeo bombou, atingindo mais de 200 milhões de visualizações. Se a Meta atuou para inflar esses números, não se sabe e nem é o mais importante. O fato é que os bolsonaristas conseguiram seu objetivo e o estrago estava feito.
Havia, então, duas possibilidades para o governo agir: ou ia à rede nacional de televisão para desmentir as fake news e dar nomes aos bois que estavam enganando o povo – o que defendi desde o início, porque num caso como esse era necessário que o governo saísse das cordas e mostrasse a verdade – ou revogava o ato normativo. As notícias indicam que Lula teria ficado furioso com a lambança e decidiu, após duas reuniões com Haddad e Sidônio Palmeira, pela revogação.
Durante o dia de ontem, os sites e canais progressistas, antes da decisão de Lula, debateram a possível revogação, inicialmente proposta por Breno Altman, posicionando-se contra a medida. Porém, à noite, com o anúncio da revogação, passaram todos a defendê-la.
As consequências do recuo do governo serão inúmeras, mas a mais provável será o crescimento da credibilidade de Nikolas Ferreira e outros bolsonaristas mais radicais, em detrimento da queda de confiança e na falta de transparência do governo Lula. Isso certamente será medido em próximas pesquisas. Além disso, as necessárias informações sobre grandes transações via PIX para controle de sonegação não mais deverão acontecer. Uma avenida passa a estar aberta aos sonegadores.
Possivelmente Lula não demitiu Barreirinhas porque ele não deve ter errado sozinho e não seria escolhido como o bode expiatório dessa lambança.
Agora o fato está consumado. Fica, porém, uma lição amarga que Haddad e o resto do governo têm que aprender: há uma oposição fascista que está sempre prestes a morder os calcanhares do governo e para a qual não se pode dar um milímetro de espaço. A ficha disso ainda não caiu. É preciso que toda e qualquer medida a ser implementada tenha antes uma estratégia bem definida de comunicação.
Além disso, deve ficar claro para o governo que os canhões do bolsonarismo deixarão de ser apontados somente para as pautas de costumes e passarão a ter como alvo a economia, justamente o setor em que Lula está se saindo melhor.
Tendo essa estratégia como clara, o governo, principalmente através da comunicação, tem que se antecipar a todo e qualquer vídeo que ataque a economia, uma espécie de vacina contra o veneno que os bolsonaristas tentarão inocular na população.
Ou isso, ou a derrota em 2026.