Era uma típica manhã de inverno em Moscou. O céu estava encoberto e o vento frio e cortante, castigava as pequenas e blindadas janelas do Kremlin.
Vladimir Putin havia dormido bem naquela noite. Sonhara que era verão, estava de bermudas, o Sol já estava alto e a piscina de águas límpidas, convidativa.
Abriu a janela, viu a paisagem cinza e percebeu que acordara. Fim do sonho. Se quisesse nadar um pouco teria que ser na piscina aquecida do palácio. Muito chato, pensou.
Logo o mau-humor se instalou nele.
Fechou a janela, deu meia volta, topou com o dedinho do pé na quina da enorme cama, e tropeçou nas pantufas. Caiu de nariz na pele de urso que fazia as vezes de tapete e gritou: Сукин сын!
Nisso, o ajudante de ordens entrou no aposento trazendo o café.
Estava frio.
Putin esmurrou a mesa de 8 metros com raiva. Nada dá certo por aqui, Блядь!?
Mandou executar o pobre homem.
Enquanto aguardava que lhe trouxessem o café quente, tentou se acalmar e refletir. Precisava extravasar sua ira, exorcizar os demônios que tinham tomado conta de sua mente naquela manhã. O dedinho inchado do pé doía muito e alguém precisava pagar por isso.
De repente, gritou: JÁ SEI! UCRÂNIA!
Sim, ordenaria que seu exército invadisse a Ucrânia para aplacar seu mau-humor. Em seguida, já mais calmo, dominaria todos os demais países da Europa e, mais tarde, todo o planeta!
Deu um sorrisinho maligno dos tempos da KGB, do James Bond e do agente 86.
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Tirando a galhofa, parece que é essa a impressão que a mídia ocidental tenta vender. Putin, o ditador sanguinário, o novo Hitler, o bicho-papão, invadiu a Ucrânia somente para se divertir e dominar o mundo.
Não só os brasileiros, mas todo o Ocidente parece acreditar nisso. Basta ver as reportagens da televisão.
É preciso que o novo herói do mundo, Volodymyr Zelensky, juntamente com a OTAN, destruam Putin.
Embora não tenhamos a clareza necessária para analisar as causas do conflito, já que manipulações de informações acontecem dos dois lados, não devemos adotar a visão simplória e maniqueísta do mundo propagada pela mídia ocidental com seus interesses econômicos. Tudo tem sempre uma motivação.
Para tentar desatar esse nó, precisamos voltar um pouco no tempo para uma melhor compreensão desse imbróglio.
Com a queda da União Soviética, o então presidente Mikhail Gorbachev fez um trato verbal com o então secretário de Estado norte-americano James Baker. Foi acordado que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não avançaria “nem uma polegada em direção ao Leste da Europa”, afinal, o Ocidente, comandado pelos EUA, havia vencido a guerra fria.
Com o fim do Pacto de Varsóvia, seu oponente, a OTAN, havia perdido a razão de existir.
Mas a Rússia nunca foi convidada a integrar a aliança, continuando a ser tratada como inimiga. Além disso, havia ainda outro inimigo silencioso, a China.
Em 1997, a OTAN, enfim, decidiu desrespeitar o acordo entre Gorbachev e Baker, iniciando sua expansão e anexando, aos poucos, Polônia, Hungria e República Tcheca.
Mais tarde, agregaria mais 10 países, totalizando os 30 membros atuais.
A Rússia, aos poucos, se viu acuada pelos países membros da aliança, mas a Ucrânia ainda vinha se mantendo como o último obstáculo entre a OTAN e ela, servindo-lhe como uma espécie de barreira.
Putin assistia a isso sempre preocupado e com um olho no país vizinho.
Em 2014, os EUA decidiram iniciar uma manobra mais agressiva, enviando o então secretário de estado, John Kerry para Kiev, para manifestar o apoio dos EUA aos rebeldes que tomaram o poder na capital ucraniana.
Durante os anos que se seguiram, milícias neonazistas surgiram e assassinaram cerca de 14 mil russos, entre eles, muitas crianças, como foi noticiado à época, mas sem ter provocado a mesma comoção dos acontecimentos atuais.
Era preciso que os EUA impedissem a construção do gasoduto Nord Stream 2 porque ele seria responsável por dobrar a capacidade de fornecimento de gás para a Europa, tornando-a ainda mais dependente da Rússia e aumentando a entrada de vultosas divisas para o país de Putin.
O comediante Zelensky foi eleito presidente fantoche dos EUA para justamente trabalhar para que se iniciassem as tratativas para integrar seu país a OTAN, o que seria o mesmo que apontar uma arma para a cabeça da Rússia, tamanha a proximidade de Kiev com Moscou (800 km em linha reta). A barreira deixaria de existir.
O timing preciso de Putin para impedir esse ingresso se deu quando Zelensky manifestou publicamente que iria tornar a Ucrânia um país membro. Não foi antes nem depois.
Se Putin agisse depois de firmado o acordo, o conflito não ficaria restrito a Ucrânia, mas ganharia proporções mundiais com uma guerra entre a Rússia e a OTAN.
É preciso lembrar que há centenas, talvez milhares de ogivas nucleares espalhadas pela Europa, todas apontadas para Rússia, China e Coréia Popular. E numa eventual guerra, todas entrariam em ação.
Por que a China apoia as ações de Putin?
Se a Rússia for tomada, todas as suas mais de 6 mil ogivas passarão para a OTAN, o que a tornará uma força inexpugnável até para a China. É isso que Xi Jinping teme.
Será que há dúvidas de que Putin está realizando uma ação preventiva e com visão de longo alcance? Não se trata somente de defender a Rússia contra possíveis ataques da OTAN, mas talvez de também salvaguardar o planeta contra uma quase inevitável guerra nuclear em que perderíamos todos.
Já se passaram mais de duas semanas desde a invasão da Ucrânia e nada, absolutamente nada, foi feito por Zelensky para por fim ao conflito. Pelo contrário. Ele convoca a população civil a lutar como uma espécie de linha de frente contra os preparadíssimos soldados russos, apoia ações terroristas das milícias neonazistas que têm matado conterrâneos para culpar a Rússia e o tempo todo exige a entrada da OTAN na guerra.
A mídia brasileira deixou de se importar com a ética jornalística, esquecendo seus manuais de redação. Ela não diz que “a Ucrânia alega que foi a Rússia que bombardeou uma maternidade”, mas sim, que “foi a Rússia a autora do bombardeio”, incorporando a versão de Zelensky, sem o contraditório. Tornou-se icônica a divulgação do G1 de que um tanque russo esmagou o carro de um civil, quando na verdade, o veículo militar era ucraniano. O portal de notícias nunca se retratou.
A OTAN, por outro lado, envia armamento pesado para a Ucrânia, prolongando ainda mais o conflito e enriquecendo os EUA pelo aumento da produção e comercialização desses artefatos bélicos que precisam ser repostos. Além disso, convida a Finlândia e a Suécia para engrossarem suas fileiras, num sinal inequívoco de provocação.
Para por fim à guerra, segundo Putin, a Zelensky bastaria tão e somente a assinatura de um acordo abrindo mão de se tornar país membro da OTAN, o reconhecimento de que a Crimeia é território russo e a independência de Donetsk e Luhansk (que já são independentes).
Embora não se possa cravar que, mesmo com um acordo assinado, a Putin não interessa incorporar a Ucrânia como parte da Rússia, isso a tornaria ainda muito mais próxima das ogivas da OTAN. Seria ilógico.
Estaria, ainda, Putin montando uma estratégia para reviver a antiga União Soviética, como Joe Biden afirmou?
Possível, mas improvável devido justamente ao gigantesco poderio bélico da aliança.
Na verdade, não está tão difícil acabar com esse conflito, mas ele só está se estendendo justamente porque o plano dos aliados americanos, que agora parece se confirmar, era mesmo sufocar a Rússia num futuro próximo. Isso, a cada dia parece estar sendo demonstrado.
Será que daria certo?
Faltou combinar com os russos.