Arte e Cultura

OBRA POLÊMICA

Possível tombamento reacende a polêmica sobre o "Calvário de Cristo" em Esperantina

Um painel que retrata Cristo crucificado entre marginalizados, vira alvo de preconceito e permanece escondido atrás de uma cortina na igreja matriz de

Por Luiz Brandão

Segunda - 27/10/2025 às 23:05



Foto: Arquivo pessoal
"Calvário de Cristo" novamente em meio a uma grande polêmica

Um grande painel que transforma o calvário de Cristo em um símbolo das lutas dos pobres e oprimidos do Brasil tornou-se o centro de uma polêmica que divide fiéis, artistas e o poder público em Esperantina, cidade localizada a 174 km de Teresina, no norte do Piauí.

Desde 2015, a obra "Calvário de Cristo", pintada em 1983 pelo artista João Batista Bezerra da Cruz, natural de Pedro II, está em processo de análise para possível tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), reacendendo um debate que mistura fé, arte e ideologia.

Apesar de já ser tombado como Patrimônio Artístico e Cultural do Estado do Piauí, o painel vive, atualmente, escondido atrás de uma cortina no presbitério da Igreja Matriz de Esperantina. A medida foi tomada após reclamações de frequentadores mais assíduos do local, que consideram a imagem "chocante" e uma "agressão". A obra mostra Jesus Cristo crucificado ao lado de manifestantes, sem-tetos e figuras que denunciam as mazelas sociais, uma representação que atualiza o sofrimento bíblico no contexto das desigualdades modernas.

A criação do painel foi encomendada pelo padre Ladislau João da Silva, pároco da igreja na época e identificado com a linha progressista da Igreja Católica, sendo um defensor da Teologia da Libertação. Ele lembra que a obra foi construída após consulta popular e que a polêmica atual se deve a uma "visão distorcida da espiritualidade". Ele fundamenta a obra no Documento de Puebla e no Evangelho de São Mateus, que embasam a "opção preferencial pelos pobres", um dos pilares da vertente teológica que ele representa.

Reconhecimento e polêmica Local

O tombamento de uma obra pelo IPHAN é o reconhecimento máximo de sua relevância para a história e o patrimônio artístico nacional. No caso do "Calvário de Cristo", esse ato transformaria a obra de um artista piauiense em patrimônio de todos os brasileiros, um motivo de orgulho que, paradoxalmente, virou alvo de controvérsia.

Recentemente, a visita de uma pesquisadora do IPHAN a Esperantina para análise do painel impulsionou a mobilização de defensores da obra. Um grupo de cidadãos esperantinenses e piauienses iniciou um abaixo-assinado online para manifestar apoio à preservação e ao reconhecimento nacional do painel.

No texto da petição, o grupo argumenta: "Essa obra de arte, de grande valor histórico, religioso e cultural, retrata de forma comovente o sofrimento e a esperança do povo pobre e trabalhador, fazendo uma leitura atualizada do calvário de Cristo presente nas lutas do nosso tempo. Inspirado pela opção preferencial pelos pobres, como orientam os documentos de Puebla e Medellín, o painel expressa o compromisso da Igreja que caminha com os pequenos e marginalizados, tornando-se um símbolo de fé, justiça social e resistência popular".

Polêmica, desconhecimento e preconceito

A resistência de parte da comunidade católica e de políticos conservadores da cidade à obra é interpretada por seus apoiadores como fruto de preconceito político e religioso. Eles afirmam que a polêmica pode acabar prejudicando o reconhecimento nacional de uma importante obra de um piauiense.

A controvérsia em torno do painel pode estar revelando, sobretudo, desconhecimento sobre a narrativa central do Evangelho, que coloca Jesus Cristo como uma figura que viveu entre os marginalizados de seu tempo e que foi condenado pelas autoridades religiosas e políticas da época. 

"A representação de Cristo junto a manifestantes e sem-tetos busca resgatar justamente esse aspecto revolucionário e social de sua mensagem, uma interpretação fortemente promovida pela Teologia da Libertação nas décadas de 1970 e 1980", explica o padre Ladislau.

Enquanto o processo de tombamento pelo IPHAN segue seu curso, o "Calvário de Cristo Hoje" permanece como um testemunho silencioso de um período marcante da história da Igreja Católica no Brasil e da coragem artística de João Batista Bezerra da Cruz. O desfecho deste impasse definirá não apenas o futuro de uma pintura, mas o reconhecimento de uma narrativa de fé engajada com as causas sociais como parte integrante do patrimônio cultural brasileiro.

Padre Ladislau João da Silva sempre em movimentos em defesa dos oprimidos 

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