Olhe Direito!

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Uma boa penitência

Repare-se que uma das renúncias mais comuns como sacrifício nesse período – o não consumo de carne vermelha – encerra em si um debate que pode ir além do religioso

Alvaro Mota

Quinta - 23/02/2023 às 09:54



Foto: Divulgação Quaresma
Quaresma

O período que se iniciou ontem para os católicos – a quaresma – é para os mais praticantes da fé um espaço de tempo para sacrifícios e penitências, que podem ser exercidos ou praticados das mais diversas maneiras. Há os que deixam de consumir carne vermelha, chocolate, bebida alcoólica ou a gozar de um sem-número de prazeres próprios de nossos sentidos.

Repare-se que uma das renúncias mais comuns como sacrifício nesse período – o não consumo de carne vermelha – encerra em si um debate que pode ir além do religioso. A carne vermelha que se troca na quaresma pelo peixe ou nem é substituída por outra proteína animal, está no centro de discussões acerca do aquecimento global.

Em novembro de 2021, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climática, em Glasgow (Escócia), a COP26, um estudo da Universidade de Oxford, mostrou que entre os alimentos, a carne bovina era a que mais contribuía para a produção de gases do efeito estufa, causa primária do aquecimento global.

Durante a mesma conferência, um relatório das Nações Unidas sugeria que a adoção de uma dieta com menos carnes e mais alimentos a base de vegetais ajudaria a combater a mudança do clima, pois reduziriam pela metade as emissões dos gases causadores do efeito estufa, como o metano resultante da criação de vacas e ovelhas.

Nesse sentido, a penitência ou sacrifício com base na redução ou completa retirada das carnes vermelha da dieta no período da quaresma pode ganhar um sentido muito mais ecológico e sustentável que tão-somente religioso e cultural. Pode nos levar a uma reflexão sobre reduzir o consumo de proteínas animais com maior impacto ambiental em sua produção, bem como de estar a par de práticas, manejos e novas tecnologias agropastoris que concorram para alimentos mais saudáveis e com menor influência sobre solo, ar e água, com foco em sustentabilidade socioambiental.

Não se pode pedir que as pessoas abram mão subitamente se seus modos de consumo e de suas dietas, mas é possível lembrar que, se por um período de quarenta dias se pode ter menos proteína animal à mesa – sobretudo as carnes vermelhas – é perfeitamente razoável que se possa manter uma dieta mais rica em vegetais ao longo do ano. Não se trata de penitência, mas de consciência e de ato de renúncia, como, aliás, está no cerne da celebração quaresmal: tempo para uma oposição àquilo que causa mal ao mundo.

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Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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