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O tempo quaresmal

No caso da tradição Cristã, em que Jesus é tentado pelo Mal, jejua e reza em resistência ao Tentador, a Quaresma se traduz em uma ideia muito poderosa

Alvaro o Mota

Quinta - 06/03/2025 às 12:33



Foto: Divulgação Quaresma
Quaresma

O carnaval chegou ao seu fim, ontem, e hoje já estamos no primeiro dia da Quaresma, o período definido no Catolicismo como os 40 dias entre o fim do Carnaval e a quinta-feira santa. Tempo para reflexão e conversão, marcado pela oração, pelo jejum e pela esmola –os pilares da Quaresma, tempo para elevação espiritual de qualquer pessoa.

O número 40 que remete à quaresma está na tradição judaico-cristã em episódios narrados nas escrituras consideradas sagradas: o tempo de 40 anos do povo hebreu andando pelo deserto após deixar o cativeiro no Egito e os 40 dias em que Cristo jejuou no deserto antes de iniciar sua missão pública que terminaria com o martírio e crucificação no Calvário.

Nos dois casos, a recompensa final no padecimento dos hebreus no deserto; os 40 dias e 40 noites de Noé e sua família na arca em meio ao dilúvio que renovava o mundo; o tempo e jejum e sacrifício de Moisés para receber as Tábuas da Lei; e do jejum de Cristo antes do martírio e ressurreição. Todos esses episódios narrados em textos considerados sagrados por cristãos e judeus remetem a ritos de passagem, de purificação, de salvação, de libertação, do advento de um tempo de amor, paz e harmonia.

No caso da tradição Cristã, em que Jesus é tentado pelo Mal, jejua e reza em resistência ao Tentador, a Quaresma se traduz em uma ideia muito poderosa, para além da fé, porque se concerne muito na resiliência, na sensatez e na capacidade de se doar e de perdoar, de ser solidário e praticar a empatia – aquele amor ao próximo como a si mesmo da pregação do Cristo.

O tempo quaresmal, conforme os ensinamentos da Igreja, deve seguir a ideia que está no ato penitente de Cristo no deserto. Em tempos não tão remotos, durante os 40 dias que separam a quarta-feira de cinzas da quinta-feira santa, se fazia a penitência, consignada no jejum, que ensina o desprendimento. A oração recorrente no período tem por fito estreitar a sintonia com Deus e a esmola (ou o compartilhar com os irmãos mais pobres) é modo de ratificar a caridade como manifestação autêntica da fé. Hoje essas são práticas que ficam mais nas palavras que nos atos.

Sim, porque é certo que a maioria de nós simplesmente se afastou dessas três ideias básicas, dessa prática tão comum em tempos não tão remotos. O tempo atual, tão cheio de informações e de distrações produzidas nos ambientes virtuais, pode ter concorrido para que as pessoas não somente tenham refeito seu modo de praticar sua espiritualidade, a religação com o divino e o sobrenatural, a percepção de que há coisas não materiais sobre as quais devemos estar atentos.

O deserto de hoje, em que muitos de nós pode peregrinar sem se dar conta, é o mundo virtual – onde todos estão, mas nunca juntos, sempre caminhando sem uma direção certa, vagando num vácuo de afeto ou navegando em mar de ódio. O Diabo que tentou Cristo no deserto, certamente nos espreita no grande vazio virtual em que volta e meia nós nos achamos.

Trata-se menos de metáfora e mais de realidade. Pode ser que a Quaresma no dê a chance do jejum, não de comida, mas desse espaço em que nos fixamos, o vácuo desértico da internet. É possível que careçamos mais de materialidade em nossas existências, em nossas relações familiares, sociais, profissionais. Um jejum que pode nos guiar para conversas pessoais ao vivo, direto, olho no olho, possivelmente com a força da oração.

Note-se, então, que aqui chegamos a uma outra ideia: a de que devemos estreitar laços com as pessoas de modo efetivo e material, porque um evento histórico recente, a pandemia, nos trouxe a má notícia de que o afastamento social é um gatilho para nosso adoecimento mental e espiritual. Significa que podemos e devemos, nesta Quaresma, buscar estar fisicamente mais perto, conversar, tornar materiais o nosso afeto e a nossa admiração àqueles a quem amamos, admiramos, respeitamos.

Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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