Brasil

Guia diz que 6 militares morreram no confronto que definiu Guerrilha d

guia informações novas araguaia guerilha

Segunda - 09/12/2013 às 00:12



Misturado a milhares de documentos acumulados na Comissão Nacional da Verdade, o depoimento de um guia das Forças Armadas, Cícero Venâncio, resgata uma nova versão para o episódio que selou, no Natal de 1973, o destino da Guerrilha do Araguaia.

O que se sabia até agora é que na manhã de 25 de dezembro daquele ano um grupamento de paraquedistas atacou de surpresa um acampamento do PCdoB na localidade de Saranzal, na Serra das Andorinhas (hoje município de Palestina) e matou quatro guerrilheiros, entre eles, o comandante da guerrilha, o ex-deputado Maurício Grabois. O relato do guia aponta agora que não morreram só guerrilheiros. As baixas do lado militar teriam sido maiores.

“Morreram quatro guerrilheiros e seis militares”, conta Cícero. Segundo ele, por causa das mortes, um dos chefes do grupo de paraquedistas, que ele conheceu apenas pelo codinome de “Dr. Brito”, psicologicamente abalado, passou três meses no Rio de Janeiro se recuperando.

O mateiro sustenta que as baixas no lado militar poderiam ter sido bem mais significativas se um dos guerrilheiros, Gilberto Olímpio Maria, jornalista e genro de Maurício Grabois, não tivesse recebido um tiro fatal no olho esquerdo, disparado por outro guia, Matias, no momento em que colocava na metralhadora um pente de 60 tiros. O guia, o mais próximo do guerrilheiro, teria salvo os militares de uma derrota maior.

Os relatórios militares não fazem referência a baixas entre os grupamentos das Forças Especiais empregadas na ofensiva mais violenta contra a guerrilha. Numa das várias entrevistas sobre o assunto, o então major Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, diz apenas que os mortos das Forças Armadas no conflito todo foram 16, mas não faz nenhuma referência ao episódio. Nos próximos dias a Comissão Nacional da Verdade vai reconstituir o confronto, que completa 40 anos neste Natal, em audiência pública, a primeira sobre o Araguaia, com a presença de oficiais que participaram da repressão ao movimento rebelde.

Desnorteados
No livro Lei da Selva, o jornalista Hugo Studart, relata, com base em depoimentos de um grupo de oficiais reunidos num conjunto de relatos que ele deu o nome de “Dossiê Araguaia”, que o episódio, apelidado de Chafurdo do Natal, semeou a confusão nas fileiras da guerrilha. Mas também não faz referente a morte de seis militares.

“Desse ataque, 11 guerrilheiros conseguiram escapar, ficando a partir daí, o movimento guerrilheiro em sérias dificuldades, pois a reunião agendada pela Comissão Militar não foi realizada, ficando os combatentes praticamente sem comando e (carentes) de uma orientação de como prosseguir a luta”, diz o trecho do relatório militar produzido por agentes militares e transcrito por Studart.

A jornalista Myrian Alves, que tomou o depoimento de Cícero Venâncio como pesquisadora convidada pelo Ministério da Defesa, acha que o episódio do Natal de 1973 acabou definindo o destino da guerrilha. Com a suposta derrota naquela batalha, a Força Especial, formada em maior parte por paraquedistas, experiente em combate na selva e equipada para batalhas de longo prazo, ganharia a guerra graças a desorientação dos guerrilheiros que, sem comando e isolados, se tornariam presas fácil ao longo de 1974.

O episódio teria tido peso, segundo Myrian, na opção pelo extermínio dos guerrilheiros, já que até então, a grande maioria das mortes havia se dado em combate. Em duas ocasiões antes do Natal de 1973, saíram feridos oficiais da linha de frente, como o general Álvaro de Souza Pinheiro, e os coronéis Lício Ribeiro Maciel e Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido então como major Curió.

Ninguém sai vivo
Esses militares formavam a linha mais radical da repressão e assumiram a opção pelo extermínio do foco na segunda fase da campanha. Até setembro de 1972, quem foi preso _ é o caso do ex-deputado José Genoino _ ou se rendeu, escapou com vida. A CNV também já reuniu documentos apontando que a ordem segundo a qual nenhum guerrilheiro deveria sair vivo da mata teria partido dos altos escalões do governo e das Forças Armadas em cujo topo estavam o então presidente Emílio Garrastazu Médici e o general Orlando Geisel, ministro da Guerra e irmão do futuro presidente Ernesto Geisel.

No ataque da Serra das Andorinhas a guerrilha contava ainda com cerca de 50 combatentes, mas perderia seu comandante, dois importantes integrantes da Comissão Militar, Gilberto Olímpio Maria e o economista Paulo Mendes Rodrigues. Conforme anotação de um dos dirigentes da guerrilha, Ângelo Arroyo, que se dirigia para a reunião e teve de recuar quando ouviu os tiros e a movimentação de helicópteros, também morreu no local o guerrilheiro Guilherme Lund. O dossiê reproduzido por Studart faz referência a um quinto militante, Paulo Roberto Ferreira Marques, que não aparece no relato de Arroyo.

O acampamento foi descoberto graças a infiltração de camponeses na guerrilha, mas o ataque foi precipitado pelo descuido de um guia, que fez barulho e despertou a atenção dos guerrilheiros que faziam a segurança do acampamento. Havia no local 16 guerrilheiros. Eles ainda preparavam o terreno para receber os demais militantes na grande reunião marcada para o Ano Novo.

É provável, segundo Myrian Alves, que no encontro se decidisse pelo abandono da área. A estas alturas a guerrilha já havia perdido completamente os vínculos com os grandes centros, os sinais do cerco militar eram claros, não havia estrutura para o enfrentamento e seu próprio comandante, que tinha diabetes e estava quase cego, já não reunia condições físicas para prosseguir. Dois meses antes, Grabois perdera o filho, André, morto junto com outros três guerrilheiros num confronto com a equipe do coronel Lício Maciel. O ataque de Natal foi uma verdadeira tragédia para a família Grabois, que tombou ao lado do genro.

“Aquele seria um momento decisivo. Eu não estava no local. Tinha ido à cidade buscar remédio para o Maurício e para outros companheiros. Mas acho que a derrota da guerrilha se deu com a morte do Danielli (Carlos Nicolau), que fazia o elo com as cidades, foi preso e morto sob tortura”, diz Micheas Gomes de Almeida, o Zezinho do Araguaia, guerrilheiro e guia da guerrilha.

Danielli foi preso em São Paulo. Disse logo de cara que era o homem que o regime procurava, mas que nada falaria. Morreu três dias depois, após intensa tortura. Era ele quem arregimentava militantes para engrossar as fileiras no Araguaia. A atmosfera romântica da guerrilha, com informes transmitidos pela Rádio Tirana, da Albânia, indicava também que havia um movimento para engrossar o foco, o que reforçou a opção da linha dura militar pelo extermínio.

O coronel Idino Sardenberg, comandante de uma das duas áreas em que o Araguaia foi dividido no organograma da repressão, disse que o ataque do Natal de 1973 marcou o início da vitória sobre a guerrilha.

Fim da Guerra
“Pouco depois acabou a guerra. A vitória das Forças Armadas deve-se a decisão do Cerqueira (general Nilton Cerqueira, ex-secretário de Segurança Pública do Rio no governo Marcelo Allencar), que comandou as forças especiais. Num determinado momento ele achou que as tropas estavam muito distantes e falou: ‘vamos lá pra dentro’. Montou um acampamento no meio da mata e ganhou a guerra”, diz Sardemberg.

Sobreviveram ao ataque os dois guerrilheiros mais famosos do grupo, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, e Dinalva Conceição Teixeira, a Dina, e pelo menos nove militantes. Os militares estimam que pelo menos 40 guerrilheiros ainda estavam vivos no início de 1974. A partir de então, eles se transformaram em alvos de intensa caçada, da qual mateiros e índios participaram como guias. A grande maioria, já sem nenhuma condição de combate, se rendeu, mas nenhum foi poupado: todos foram executados na mata depois de passar uma temporada nas bases militares.

Fonte: ig

Siga nas redes sociais

Compartilhe essa notícia: