Em um gesto carregado de simbolismo histórico, a presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha, pediu perdão, em nome da instituição, aos mortos, desaparecidos e torturados durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). O pedido de perdão, inédito e emocionado, ocorreu no ato inter-religioso que marcou os 50 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, na noite deste sábado (25), na Catedral da Sé, em São Paulo.
O evento, que recriou a histórica cerimônia de 1975, foi organizado pela Comissão Arns e pelo Instituto Vladimir Herzog (IVH) e lotou a igreja com centenas de pessoas, incluindo familiares de vítimas, autoridades, líderes religiosos e artistas. A ministra, representando a Justiça castrense, foi incisiva ao declarar a Lei da Anistia, de 1979, como inconstitucional e ao se dirigir diretamente às vítimas e seus descendentes.
"Estou presente a este ato para, na qualidade de presidente da Justiça Militar da União, pedir perdão a todos que tombaram e sofreram lutando pela liberdade. Pedir perdão pelos erros e as omissões judiciais cometidas durante a ditadura", afirmou Maria Elizabeth.
"Eu peço perdão a Vladimir Herzog e sua família. A Paulo Ribeiro Bastos e a minha família. A Rubens Paiva e à Miriam Leitão e seus filhos. A José Dirceu. A Audo Arantes. A José Genoino e Paulo Vannuchi. A João Vicente Goulart e a tantos outros homens e mulheres que sofreram com as torturas, as mortes, os desaparecimentos forçados e o exílio. Eu peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país", disse Elizabeth Rocha.
A ministra fundamentou seu posicionamento: "Eu sempre entendi que a Lei da Anistia era inconstitucional, seja porque é incompatível com a nossa Carta de 1988, seja porque o Supremo reconheceu que os tratados de direitos humanos têm caráter supralegal. A Lei da Anistia é uma norma ordinária, portanto foi revogada não apenas pela Constituição, mas também pelo Pacto de San José da Costa Rica e pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que classificam esses crimes como de lesa-humanidade, portanto, imprescritíveis e não sujeitos a perdão", disse a ministra.
Esse sentimento foi ecoado por Ivo Herzog, filho de Vladimir e presidente do conselho do IVH, que criticou o que chamou de "apagamento da história" promovido pela lei. “A anistia de 1979, por si só, é uma aberração, porque o regime autoritário da época nunca reconheceu que cometeu crimes. Então, como anistiar quem não cometeu crime?”, questionou.
Ivo também traçou um paralelo direto com os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. “A mesma coisa está acontecendo novamente com aqueles que estão sendo julgados pelo oito de janeiro. Eles não admitem que cometeram nenhum crime”, afirmou, em referência à proposta de anistia para os condenados pelos ataques às sedes dos Três Poderes, defendida por parlamentares bolsonaristas.
Busca por Justiça no STF
O presidente do IVH destacou a importância do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 320, que questiona a interpretação da Lei da Anistia e está sob relatoria do ministro Dias Toffoli, no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação, ajuizada pelo Psol em 2014, segue pendente.
“Eu entendo que esse atraso, essa abstenção do ministro Toffoli, infelizmente, é uma cumplicidade com essa cultura de impunidade”, declarou Ivo Herzog. “A gente não está exigindo que a Lei da Anistia diga isso ou aquilo. Estamos pedindo que o debate seja pautado e isso tem sido negado a nós. Essa luta pela revisão do parecer do STF é uma luta da sociedade.”
Autoridades
O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, também esteve presente e destacou a importância da cerimônia. “A morte de Vladimir Herzog foi o resultado do extremismo do Estado, que, em vez de proteger os cidadãos, os perseguia e matava. Por isso, é essencial fortalecer a democracia, a justiça e a liberdade”, afirmou. Questionado sobre uma possível revisão da Lei da Anistia, Alckmin limitou-se a dizer que “já foram dados bons passos nessa questão”.
O ato foi encerrado de forma emocionante com a leitura de uma carta de Zora Herzog, mãe de Vladimir, interpretada pela atriz Fernanda Montenegro, e com a apresentação do Coro Luther King, que cantou "Cálice", hino de resistência composto por Chico Buarque e Gilberto Gil durante o regime militar.
A celebração inter-religiosa foi conduzida por Dom Odilo Pedro Scherer, a reverenda Anita Wright – filha de Jaime Wright, e o rabino Ruben Sternschein, reforçando o caráter plural e unitário em defesa da democracia e da memória.
A Catedral da Sé, em São Paulo, ficou lotada no ato que relembrou os 50 anos da morte de Vladimir Herzog
Fonte: Agência Brasil com vídeo do site BdF
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